quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

"O homem que não luta pelos seus direitos não merece viver”




Polícia Penal: questão de posicionamento

(*) Amauri Meireles

Tenho participado de diversos debates sobre temas tão instigantes quanto preocupantes, tais como Insegurança, Violência, Defesa Social, Polícia, Sistema de Administração Penal. Após deixar o serviço ativo da PMMG, assumi a Superintendência da Guarda Prisional de Minas Gerais, época em que houve uma modificação altamente qualificada de parâmetros, até então utilizados na gestão do referido Sistema em nosso Estado.

Consta que mineiro conta muito “causo”. Então, vou contar-lhes um:

Nos anos 70, 80, existia uma sandália de borracha muito conhecida. O slogan dessa sandália era: “Não deforma, não tem cheiro e não solta as tiras”.

Nessa época, como agora, muita gente já a usava, mas, as pessoas não tinham coragem de dizer isso, porque não era “chique”, não era “da moda” usar aquele chinelo. Também, quem iria contar que usava uma sandália cujo slogan dizia que não deformava, ou seja, apenas cumpria a obrigação, não dava chulé, porque não tinha cheiro e não soltava as tiras, ou seja, jamais iria “deixar alguém na mão”, digo, falhar com alguém? Parecia coisa de pouco favorecido mesmo, não tinha nenhum “glamour”! Estou falando das famosas Havaianas.

Os profissionais que fabricavam esse produto observaram e fizeram várias pesquisas, onde concluíram que muita gente usava, mas tinha vergonha de dizer que usava. Às vezes, pessoas estavam de Havaianas em casa e, se chegava alguém, corriam e trocavam o calçado, para ninguém vê-las com aquele chinelo “careta”. Então, os gestores adotaram a seguinte estratégia: mudaram o POSICIONAMENTO do produto.

Começaram pelo slogan. Se antes era: “Não deforma, não tem cheiro e não solta as tiras”, passou a ser “Havaianas: Todo Mundo Usa!” E começaram a mostrar pessoas famosas, que tinham credibilidade, dizendo que usavam esse chinelo. Sabem o que aconteceu? As pessoas se assumiram e começaram a usar Havaianas naturalmente, sem “complexo”. Passou a ser até chique! Usa-se, atualmente, em festa de 15 anos, de casamento, para, lá pelas tantas, descansar os pés. As pessoas reconheceram que era e é um bom calçado, além de seu uso não se constituir em qualquer demérito. E o curioso disso tudo é que a tecnologia da fabricação não mudou. O que mudou foram as cores, a propaganda, o estilo, o posicionamento.

Isso, POSICIONAMENTO! Sabem o que é? Posicionamento é como o outro lhe vê. Como você está situado na mente do outro.

Eu lhes contei essa história para nós pensarmos sobre o posicionamento do Agente Penal (Agente Prisional, ou Agente Penitenciário, Agente de Segurança Prisional ou Carcereiro, para alguns desinformados, e outras designações).

A partir de agora, vou referir-me à categoria como Policial Penal porque, creio, inexoravelmente, os senhores serão assim reconhecidos brevemente.

De início, portanto, constata-se não haver uniformidade na designação do cargo que vocês ocupam e, como que em cascata, isso vem ocorrendo também na legislação, na doutrina, na administração e na logística. Situações e comportamentos divergentes podem ocorrer, às vezes, dentro de uma mesma unidade federativa.

E então, como você acha que está? Reconhecido? Como o outro, como a sociedade lhe vê? Necessário? Como você próprio se vê? Profissional indispensável, fundamental? Parece-me, infelizmente, que as coisas não vão tão bem assim, porque esse servidor público ESPECIAL ainda é visto como aquele chinelo, que “Não deforma, não tem cheiro e não solta as tiras”, e que dá vergonha de ter (ou de ser?). Mas, na verdade ele, IMPERCEPTIVELMENTE, há muito tempo, já realiza uma atividade extremamente importante, um serviço que “Todo mundo usa”.

Se o cidadão sai de manhã para trabalhar, o filho dele pode ir tranqüilo para a escola, a mulher dele pode sair e fazer compras é porque existe um profissional garantindo-lhe que os condenados pela justiça e presos estão bem custodiados e, portanto, aquele cidadão pode sentir-se protegido. É que, sem se aperceber, sem reconhecer a necessária importância, sem manifestar o categórico respaldo e o decisivo respeito, “Todo Mundo Usa” direta ou indiretamente o serviço do policial penal, há muito tempo.

Mas, até quando vai prevalecer essa síndrome de Pantaleão, ou seja, daquele velho (representado pelo extraordinário Chico Anísio), que conta histórias para o rapaz abobalhado, assumindo que usa Havaianas?

Vamos fazer uma análise disso. Vejamos o que vem ocorrendo no Paraná e em alguns outros Estados: preocupantes ocorrências de homicídios, cujas vítimas são funcionários públicos do Sistema Prisional (infelizmente, não reconhecidos como policiais penais. Ainda!...). Desejo chegar ao fim da minha exposição tendo conseguido mostrar que isso só está acontecendo porque o policial penal ainda não está POSICIONADO adequadamente junto à sociedade.

Nosso OBJETIVO, então, é oferecer alternativas de defesa que resultem em maior e melhor proteção a esses agentes públicos.

Partimos do princípio que, provavelmente, poderíamos elencar vários pressupostos para discutir esse tema. Porém, em razão da exigüidade de tempo, que nos remete à objetividade, fixemo-nos em apenas um: A FALTA DE IDENTIDADE PROFISSIONAL.

Aceito esse pressuposto, constatamos um nefasto ciclo:

a-O conglomerado de agentes públicos, que realizam a custódia e a ressocialização, não tem um nome uniforme, uma designação padronizada;

b-Não tendo nome, não tem marca;

b-Não tendo uma marca, não tem visibilidade institucional;

c-A falta de visibilidade gera uma população desinformada sobre a atividade;

d-Desconhecimento da função pelo público impede que se instale comoção;

e-Falta de comoção não prioriza valorização profissional;

f-Desvalorização profissional gera baixa-estima, insegurança pessoal;

g-O Agente Prisional sente-se totalmente a descoberto, quando não está na situação de efetivo serviço;

i-Contribui fundamentalmente para isso a falta de reconhecimento de AUTORIDADE para exercício pleno das atividades;

j-O não reconhecimento aumenta o desrespeito, a audácia e a sensação de impunidade do criminoso, ao identificar agentes inseguros, sem respaldo social e estatal;

k-Tornam-se presas fáceis, pela falta de coesão como grupo, como órgão, como entidade, como instituição, para reagir.

l-Incapacidade de reagir, em razão da falta de uma identidade do grupo, para que se reconheça a atividade como um dos ramos da Instituição-Polícia.

m-Não reconhecimento da autoridade gera irrelevância da profissão.

n-Descaso por falta de posicionamento.

Desse debate, que deve ser fortalecido, incrementado com a participação de forças vivas de nossa sociedade, quero crer, sairão alternativas de correção de desvios no Sistema de Administração Penal. Atualmente, é cristalino que a atual combinação desagrada profissionais da área, apenados e sociedade, conforme enunciado e denunciado na cartilha da Polícia Penal:

Os primeiros reclamam, às vezes sem muito eco – que não significa sem razão – de condições subumanas de instalações e de tratamento e, para que a mídia mostre à sociedade eventuais abandono e degradação localizados, promovem rebeliões.

Já, os que operacionalizam a Lei de Execuções Penais (LEP), via custódia e ressocialização, clamam que passa do suportável a incúria do poder público, observada na postergação de quadros profissionais, na negligência que envolve o preparo técnico e no desprovimento logístico.

A sociedade, tensa e angustiada, é mais outra vítima da desídia, que tende a desaparecer valorizando-se o órgão encarregado das custódia, ressocialização e – o que poderia ser uma inovação, preenchendo uma necessidade fundamental – da fiscalização de decisões judiciais (medidas de segurança, penas alternativas).

Enfim, é possível afirmar-se que não há efetividade – capacidade de produzir resultado(s) com melhor(es) performance(s) e coerente(s) com objetivo(s) institucional(ais) – na área da Administração Prisional.

Tenho feito várias viagens pelo Brasil e posso lhes afirmar que os problemas, que afligem os agentes, os policiais penais do Paraná, ocorrem na quase totalidade dos Estados brasileiros.

Sem dúvida, é inimaginável, nos dias de hoje, que uma classe, desempenhando uma atividade secular, de suma importância para a sustentabilidade do corpo social, não tenha um rosto, não tenha identidade profissional, o que provoca graves prejuízos, minimamente, para sua autoridade e sua dignidade.

Uma classe sem voz e sem vez!

Impensável uma classe que não tenha um canal por onde fluam suas proposições técnicas e suas reivindicações, mas, por outro lado, permanentemente submetida a um canal por onde refluem as críticas ásperas e o desamparo. Uma classe cujo desempenho amadorístico se transforma em real desproteção e forte vulnerabilidade no organismo social. Vale dizer, e convém que isso seja difundido em todo o país, quanto mais fraco, mais preterido o Sistema de Administração Penal, mais vulnerável, mais desprotegida estará nossa sociedade.

Em função do que foi citado, apresentamos as seguintes ALTERNATIVAS:

A1 - Reconhecer o servidor público do Sistema de Administração Penal (Prisional, Penitenciário como sendo integrante da Polícia Penal, exercendo sua atividade embasado no Poder de Polícia Administrativa Penal, para realizar as atividades policiais de custódia (braço armado) e ressocialização (corpo técnico).

É importante lembrar que Polícia é “instituição/sistema, atividade estatal de proteção social, distribuída em estruturas de poder e força, garantidora da ordem social” e Poder de Polícia (Código Tributário Nacional, art. 78): “Considera-se poder de policia a Atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a pratica de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, á ordem, aos costumes, a disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependente de concessão ou autorização do Poder Publico, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e os direitos individuais ou coletivos.

Embora a PEC-308 não tenha sido votada e promulgada pelo Congresso Nacional, ante a morosidade federal, algumas unidades já começam a estudar estratégias para melhorar a Administração Penal. É que, até a PEC-308 ser promulgada, providências podem e devem ser adotadas no âmbito dos respectivos Estados. Isto porque está reservado à União legislar sobre direito processual penal e direito penal (art. 22, I, CF). Porém, compete concorrentemente à União, Estados e Distrito Federal, legislar sobre direito penitenciário. “Sobrevindo lei federal sobre normas gerais, suspende a eficácia da lei estadual no que lhe for contrário. (art. 24, CF)”.

Minas Gerais, por exemplo, tem legislado sobre esse assunto, criando a Superintendência da Guarda Prisional e transferindo atividades, antes exercidas pelas Polícias Civil e Militar, aos Agentes Penais, ainda que não tenha adotado providências definitivas que visem a reconhecê-los como policiais penais.

É positiva essa fuga da inércia, embora possa provocar prejuízos a condutas operacionais e administrativas, as quais, respeitadas as realidades culturais, deveriam ser padronizados em nosso país. Um contingente armado, que cuida dos elementos teoricamente perigosos da sociedade, deve ser uma garantia na defesa social. Isso, somente poderá acontecer se a Guarda for adequadamente amparada normativamente e preparada. Do contrário, surgirão mais problemas do que soluções.

Enfim, se o Agente Penal for considerado Policial, for reconhecido como Policial Penal (e isso é POSICIONAMENTO), é provável que marginais pensarão duas vezes, antes de perpetrar ataque a esse servidor público especial.

A2 - Implantar medidas urgentes de proteção diretas:

- Reconhecer e disponibilizar o Porte de arma para o Policial Penal, que estará anotado na Carteira de Identidade Profissional. Soa como incoerência o agente trabalhar armado, em seu turno, e, ao se deslocar para casa ou de folga, não ter arma para se proteger. Em MG, os integrantes de Grupos Especiais são “depositários fiéis” de pistolas 380, arma utilizada no Sistema Prisional de MG.

A3 - Implantar o Sistema de Inteligência Prisional, com um órgão central (no DEPEN ou na Secretaria de Administração Prisional) e Diretorias de Inteligência nos Estabelecimentos Penais.

Em MG, os primeiros diretores de inteligência eram integrantes da PM ou da PC. Hoje, em maioria dos estabelecimentos penais, o cargo é exercido por Agentes Penitenciários que têm Curso Superior concluído ou em andamento, conforme TAC assinado com o Ministério Público. Aliás, a grande maioria de diretores nos vários estabelecimentos penais (Diretor Geral, Diretor de Segurança, Diretor Administrativo, Diretor de Inteligência) é composta de Agentes naquela condição. A situação é relativamente boa, em comparação a outros Estados, mas, será adequada, quando houver uma Lei de Organização Básica (estrutura do órgão), Lei de Efetivo coerente com o Plano de Carreira, Lei de Remuneração, dentre outras necessidades.

A4. Visando a efetividade, urge que se implante definitivamente:

a. Profissionalização da atividade:

Isso deve ocorrer via concurso público, requalificação, academia, quadro (carreira) e dotação próprios, disciplina, hierarquia, embasamento legal e doutrinário, corregedoria e ouvidoria, interlocução em alto nível entre a chefia da Polícia Penal e as demais vertentes policiais, inclusive compartilhando informações e ações;

b. Profissionalismo dos servidores públicos desse sistema:

Começando pela separação de quem combate o criminoso daquele que acautela o preso, passando pela formação, especialização e treinamento, fixando uniformização de procedimentos, estimulando a participação da iniciativa privada, inclusive para acolher o egresso.

c. Modernização Tecnológica:

Através utilização de atualizados recursos tecnológicos nas operações e na administração, seja em câmeras, bloqueadores de transmissão telefônica móvel e fixa, revistas, videoconferências, no controle da comunicação do preso, em adequados uniformes e meios de transporte, nos equipamentos e armamentos não letais, nos setores de inteligência, no combate interno ao crime organizado e tráfico de drogas em estabelecimentos penais.

São apenas algumas sugestões!...

Iniciei falando de um chinelo. Mas o chinelo é hoje modelo de gestão organizacional e é exportado para vários países. Quem sabe essas sugestões podem fazer com que essa função tenha um posicionamento adequado com a sua importância?

Para encerrar, vou citar Nelson Rodrigues, que dizia que o Brasil sofria de “Síndrome de vira-lata”. Parecia sempre ser o país coitadinho, que se satisfazia com os restos, que jamais seria competitivo no cenário mundial.

Isso mudou! Somos hoje uma potência reconhecida internacionalmente. Existe a previsão que, em 2020, o Brasil será o 5º maior país do mundo em riqueza.

Um país dessa potencialidade merece uma Polícia Penal conhecida, respeitada e admirada pela sociedade. Se se continuar a dizer que a classe de agentes “Não deforma, não dá cheiro e não solta as tiras”, será sempre formada por esses profissionais – ainda que fazendo muito bem o que tem que ser feito – vistos como quadrados, inodoros e que passam despercebidos. Só se lembra deles quando “soltam as tiras”, digo, quando há rebelião.

A hora é de acordar, de mostrar a valiosa contribuição que a classe pode e quer dar. A hora é de POSICIONAMENTO!

O Agente prisional, o POLICIAL PENAL, esse profissional que, sem alarde, contribui para que a vida em sociedade seja, cada vez mais, segura, não pode mais ser desconhecido, inodoro e dispensável. É um erro que tem gerado um enorme prejuízo para a própria sociedade. Sua participação na Defesa Social, na salvaguarda da sociedade tem de ser vista como extremamente fundamental. E, não custa frisar: TODO MUNDO USA!

(*) Coronel da Reserva da PMMG

“O homem que não luta pelos seus direitos não merece viver”


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