sábado, 26 de março de 2011

Jornalista defensor do desarmamento tem a vida salva por cicadão armado



Abaixo o depoimento do Jornalista Ciro Fabres que foi sequestrado e possivelmente iria ser morto com golpes de estilete se não houvesse por perto um cidadão armado.

Não foram poucas as vezes que ele pregou o desarmamento de todos os civis, e ironicamente foi salvo exatamente por um cidadão armado. Enquanto os seus algozes estavam armados de facas!


‘Achei que era o fim da linha’

18 de março de 2011

Tudo começa com uma distração banal, corriqueira. Dessas a que, afinal de contas, temos direito, que nos acometem a qualquer momento, pois ainda não somos robôs. Sei muito bem das lições preventivas da Brigada e as adoto cotidianamente: na saída, na chegada, visão periférica ligada. Mas não havia ninguém por perto quando voltava para casa com o almoço do dia e compras do supermercado por volta de 11h55min de quinta-feira. Esse vislumbre de que a situação estava tranquila, portanto, não alterou meu plano de voo.

Estacionei a camionete na frente do edifício onde moro, que é recuado em relação à calçada e permite o estacionamento em frente. Desci fazendo cogitações sobre as tarefas do dia.

Havia falhado a pilha do controle remoto da garagem, e lembrei-me de fazer o teste, após ter providenciado a troca. Pior idéia não poderia ter. O mundo moderno nos proíbe distrações como essas. Abstrair-se do cotidiano próximo é um perigo. Ao voltar-me para o carro, o rapaz apareceu e se aproximou:

- ô, meu. Isso é um assalto.

Quando notei o estilete em punho, pensei: chegou a minha vez, já que nunca antes em minha história havia sido vítima de assalto. Para piorar, o rapaz era agressivo e estava embalado.
De imediato, antes de qualquer apresentação, rasgou meu braço com um corte do estilete e ameaçou:

- Isso aqui é pra tu vê o que nós vão fazê contigo.

Pegou o celular e os cartões bancários, jogou-me no porta-malas da camionete e arrancou com ela, furioso, cantando pneus, em alta velocidade. Naquela hora, durante os quase cinco minutos em que o ladrão “negociou” comigo na frente de casa, na Antônio Broilo sempre tão frenética não circulava uma viva alma, sequer algum carro mais apressado. Incrível essas contradições do cotidiano.

Houve três momentos terríveis nessa sucessão de acontecimentos que durou 20 minutos. O primeiro foi quando fui jogado no porta-malas, e a ficha caiu: não era um, digamos assim, mero assalto. Era um sequestro-relâmpago. E sequestros-relâmpagos, tive a oportunidade de constatar,são aterrorizantes. Você não sabe o que vem pela frente. Você encontra-se em um território sem lei. Essa bendita lei, que tanto criticamos, não vale para nada no âmbito de um sequestro-relâmpago. A lei é outra. Você não vale nada, sequer há direito à argumentação. E, logo depois que a camioneta arranca em alta velocidade, você cruza por outros motoristas e pedestres indiferentes ao drama que se desenvolve nos limites do carro em fuga. É impotência completa.

O segundo momento terrível é quando o carro chega ao destino. Foi na Rua José Bonifácio, uma travessa da Antônio Broilo, sem saída, endereço de gente de classe média, há poucos metros de onde fui atacado. A José Bonifácio leva até uma curva que dá para um morro que divide uma parte nova do Diamantino e o bairro Cruzeiro. É atalho para ir de um a outro lado por meio de uma picada onde cabe uma pessoa, no meio de mato cerrado.

O rapaz que me abordou, que depois se soube, era menor de idade, ordenou:

- Desce e entra no mato.

É desnorteante. É arrepiante. Você sabe que, a partir dali, estará completamente à mercê, pois ninguém mais o avistará, você simplesmente sumirá do mundo. Você já viu filmes, sabe como essas coisas são, e como elas terminam. Você pensa em tudo isso, mas há uma ordem para entrar no mato, e não há outra saída a não ser seguir em frente.

Logo depois, o terceiro momento terrível, em processo de angústia e medo crescentes. Cinquenta metros mato adentro, o rapaz que me abordou assovia e três comparsas descem do morro, encapuzados.

- Escuta aqui, vagabundo, tu tá sendo sequestrado – me diz um deles, enquanto o que me abordou me desfere um golpe no pescoço.

Um terceiro grita:

- Fica de joelhos, fica de joelhos.
E o que anunciou o sequestro complementa:

- Bota o saco nele, bota o saco nele, e amarra as mãos.

O cenário está completo, pensei.

Ajoelhado no meio do mato, entre quatro bandidos furiosos e embalados, é o fim. Tive praticamente a certeza de que era o fim da linha, não fosse uma discreta serenidade que me acompanhou o tempo todo, certamente reflexo da confiança no Criador, seja ele quem for, e de que jeito for. Procuro manter com ele linha direta, e havia feito minha prece, como faço toda a manhã, com o pedido de proteção de praxe. Pois não haveria de falhar a providência. Algum desdobramento fora do previsto haveria de ocorrer, e ocorreu.

O rapaz que me abordou falou aos outros três encapuzados:

- Espera aí que vou lá no carro.

Os outros ficaram à espera dele para “botar o saco” e atar minhas mãos, o que não se concretizou, demora que estranhei, pois havia preparado meu espírito para o pior, para a escuridão.
Nisso, soaram os primeiros estampidos.

Um dos vizinhos da rua, percebendo aquela movimentação fora da ordem, começou a atirar, um , dois, três, 10 tiros para o alto.

Foi meu anjo da guarda. Não fossem aqueles tiros, não sei onde estaria agora. Os três que me cuidavam abandonaram o barco:

- Sujou, sujou – gritaram, e subiram morro acima.

Fiquei sozinho. Durante eternos cinco segundos, tempo que minha mente cronometrou com a exatidão de um relógio suíço, você reflete sobre o que fazer. Se três subiram a trilha e um desceu a trilha para ir até o carro, pela trilha é que não vou. E zuni em diagonal pelo mato fechado, por onde não passa uma pessoa, a não ser ao custo de muitos tombos, arranhões e hematomas. Assim fui, me prendendo em troncos, cipós, raízes, barrancos e lodaçais no rumo de casas que eu sabia haver bons metros adiante.

Um dia depois, meu mundo mudou. Uma certeza eu tenho: não quero mais passar por isso. Mas então é que a insegurança e o temor se instalam: sei que é tudo tão rápido, e que tudo começa em uma distração. Definitivamente, não há mais direito a distrações banais.

Achei que era o fim da linha, mas, ainda bem, não era. A viagem segue, mas há que se adotar sérias cautelas com as distrações.

link da matéria: wp.clicrbs.com.br/cirofabres/2011/03/18/achei-que-era-o-fim-da-linha/?topo=87,1,1,,,87

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