quarta-feira, 14 de outubro de 2015

A Semana que o crime organizado comandou ações de terror de dentro da FOC e mudou a rotina das famílias acreanas


Jairo Carioca - Reportagem Especial 14/10/2015 06:53:00

Quando se fala em crime organizado no Acre a lembrança que se tem é do ex-coronel Hildebrando Pascoal que aguarda na cadeia sua progressão de regime. Mas, a semana que passou mostrou que essa página parece estar virada e que novas facções se organizaram e se instalaram no estado, uma delas, o Bonde dos 13, um produto local da chamada “elite do crime”. Utilizando celulares, bandidos perigosos gravaram e publicaram vídeos nas redes sociais anunciando uma onda de violência que tornou a noite do último dia 6 em um verdadeiro terror nunca antes visto na história.

O medo se espalhou por cidades interioranas. Obrigou o governo do estado – após negar a existência das facções – convocar a Força Nacional e chamar de volta ao trabalho militares da reserva em ofensivas às ordens que partiram de dentro do velho presídio Francisco de Oliveira Conde (FOC), unidade que hospedava alguns dos mais poderosos chefões de grupos como o Comando Vermelho (CV) e Primeiro Comando da Capital (PCC).
Na semana que mudou a rotina de muitas famílias acreanas, a reportagem ouviu especialistas em segurança pública e agentes penitenciários. Os impactos das ações organizadas pelo crime organizado mostram além da fragilidade do sistema carcerário, que o Acre, especialmente Rio Branco – maior município do estado – não é mais a cidade pacata, por detrás da imagem de um estado cordial e pacífico, o acreano convive anualmente com mortes violentas e outros crimes com taxas elevadas, como aqueles contra o patrimônio, que também deixam sérias sequelas e prejuízos às famílias. Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública não deixam dúvidas: somos uma sociedade muito violenta e nossas políticas públicas são extremamente ineficientes e obsoletas.
Segunda-feira – 5 de outubro. Aproximadamente dez clientes que aguardavam atendimento médico na Clínica Santa Lúcia, no Bairro Bosque, em Rio Branco, viveram momentos de pânico sob a mira de dois assaltantes. Desfecho: Fábio André de Araújo Pereira e Francisco Denis Fortunato de Souza, assaltantes, foram alvejados por um Policial Militar que estava em traje civil e morreram instantes após serem socorridos pelo SAMU.

Meia noite de terça-feira, dia 6. Após o anúncio da morte do segundo envolvido no assalto, que se encontrava na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Pronto -Socorro, o primeiro incêndio a um veiculo foi registrado na parada final do Bairro São Francisco. Quatro carros e dois ônibus foram incendiados na chamada noite de terror. Os números de ocorrências foram divulgados pelo Centro Integrado de Operações de Segurança Pública (Ciosp).
Quarta-feira, dia 7 de outubro. Mesmo com um forte aparato de policiais nas ruas, os incêndios a veículos e casas não cessaram. Ao todo, foi contabilizado em quase 72 horas, o incêndio a 15 veículos e quatro casas. A onda anunciada através de vídeos se estendeu pelo interior e atingiu cidades como Epitaciolândia e Porto Acre. Dezenas de tentativas frustradas de incêndios evitaram um caos maior.
 Mas quem iniciou fogo ao estopim?
Depois de negar veementemente a existência de facções criminosas no estado do Acre, o comando da Segurança Pública, em entrevista coletiva, após os atos de violência da chamada “noite de terror” do dia 6, admitiu que a ordem para queimar veículos partiu de dentro do presídio Francisco de Oliveira Conde (FOC) de integrantes do Comando Vermelho (CV), Primeiro Comando da Capital (PCC) e Bonde dos 13. Esta última facção criminosa um “produto” do crime local que vem recrutando nos últimos anos jovens como Fabio Moreira Alves, 26 anos, e Mateus Félix de Oliveira, 20 anos, presos pelo tráfico de drogas.
Entre as medidas chamadas pelo Palácio Rio Branco de “enérgicas” e após ofensivas dentro da FOC, 15 suspeitos de comandarem os atos de vandalismo foram transferidos para presídios de segurança máxima localizados no Rio Grande do Norte e no Mato Grosso do Sul. A rebelião nas ruas parece ter sido controlada.
Mas até quando a ordem pública será mantida? O que está por trás dessa onda de violência que dominou Rio Branco por quase uma semana? Por que o governador Sebastião Viana demorou tanto a tomar essas medidas contra as facções instaladas no estado com seu amplo conhecimento? O governo do Acre perdeu a luta contra o crime organizado?
O poder da ingerência – Para os agentes penitenciários do estado do Acre, os presos se organizam porque faltam equipamentos de segurança e mais gente. Entre 2013 e 2014 o sistema prisional do estado recebeu mais 258 presos, totalizando 3.488 pessoas atrás das grades. Proporcionalmente é a unidade federativa com maior população carcerária e fama de estado que mais prende no Brasil.

Por outro lado, a superlotação dos presídios do Acre (o déficit em 2014 é de 1.230 vagas) levou a juíza da Vara de Execuções Penais, Luana Campos, a interditar a maior penitenciária em Rio Branco, a FOC, em maio do ano passado. “A situação ficou insustentável” disse a magistrada ao embasar sua decisão.
A revogação da interdição ocorreu praticamente 48 horas após a decisão da juíza, quando o então secretário de Segurança Pública, Renir Graebner, a mando do governador Sebastião Viana, garantiu em documento protocolado no Tribunal de Justiça que em 45 dias o estado iria fazer as adequações e reformas do FOC e na Unidade Prisional de Senador Guiomard, além da conclusão da obra do presídio feminino, aquisição de novas tornozeleiras e equipamentos para melhorar as condições de trabalho dos agentes penitenciários.
Passaram os 45 dias e quase um ano da primeira interdição, nada foi concluído.
Em visita de inspeção em março deste ano, a juíza Luana Campos constatou que as obras do presídio feminino caminham a passos lentos e que as reformas previstas no Pavilhão A estão paralisadas. O Estado alega problemas na licitação e liberação de recursos pela Caixa Econômica Federal.

Como resultado, a Justiça, na tentativa de desafogar os presídios toma medidas alternativas como progressão antecipada de regime. Ainda de acordo a juíza Luana Campos, uma portaria tem permitido que presos do semiaberto tenha um prazo de 30 dias para tentar conseguir um emprego.

O assunto que não é uma especialidade somente do governo do Acre, chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) e deve ter desdobramentos nos próximos dias.
A reportagem apurou que o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, pretende levar em breve a julgamento na corte recurso em que será discutido se a Justiça pode obrigar o Poder Executivo a reformar presídios. O ministro é relator do processo principal sobre a questão, que tem repercussão geral reconhecida. A decisão que for proferida terá impacto em 32 ações paradas nas instâncias inferiores à espera do posicionamento do Supremo.
Amicus curiae – ac24horas ouviu um especialista em direito penal que pediu para não ter seu nome revelado. Ele confirmou que o Acre e mais treze estados são terceiros interessados aceitos pelo Supremo no Recurso Extraordinário impetrado pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul.
“O Acre está nesta lista justamente por causa da condição dos presídios acima da capacidade que o estado pode suportar. As nossas estruturas estão péssimas, o que temos na FOC é tijolo com cimento muito antigo” comentou o especialista.
Em matéria publicada pelo Grupo de Estudos Carcerários Aplicados da Universidade de São Paulo, o presidente do STF, Lewandowski, afirma que a questão é saber se o Judiciário, a partir de uma provocação do Ministério Público, pode exigir do Poder Executivo que faça reformas em estabelecimento prisional. Várias são as linhas de entendimento sobre o assunto.
As péssimas condições dos presídios brasileiros foi o argumento apresentado pela Corte de Apelação de Bolonha, na Itália, para rejeitar a extradição do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, condenado na Ação Penal 470, o processo do mensalão.
FOC se transformou em uma Unidade de transferência de presos para as ruas

Analisando as medidas alternativas tomadas pela Vara de Execuções Penais e as condições atuais do FOC, o especialista em segurança afirmou que a Unidade Prisional se transformou em uma referência de transferência de presos para as ruas, “um prato cheio para a ação de facções criminosas como o CV, PCC e o Bonde dos 13”, acrescentou.
O presidente do sindicato dos agentes penitenciários do Acre, Adriano Marques, confirma a análise acima. Conhecedor do esquema de organização das facções, ele assegura que dois braços do Crime Organizado, conhecidos como “Geral da Rua” e “Geral do Sistema”, atuam praticamente livres pela falta de equipamentos de segurança e a falta de efetivo dentro dos presídios do estado.
Tanto o especialista em segurança como o sindicato dos agentes penitenciários são unanimes em dizer que a retirada dos 15 suspeitos de comandarem a onda de violência, na última semana, não acaba com o poder de atuação das facções.
Os dados reais da violência – O estado do Acre tem apresentado nos últimos anos um fenômeno intrigante: enquanto diversos crimes apontam uma tendência de queda, crimes relacionados ao tráfico e consumo próprio de droga têm aumentado. Os dados foram publicados neste sábado (10) no Anuário de Segurança Pública.
A cada dia, 4 crimes tentados ou consumados acontecem em todo o estado do Acre. Crimes contra o patrimônio lideram o ranking dos registros feitos no sistema de segurança, um total de 45%. Na sequência estão os crimes por tráfico de drogas ou uso de entorpecentes, 29%. Engrossa a escalada de violência os crimes contra pessoas. Foram 300 ocorrências em 2014. Outros registros como crimes contra a dignidade sexual e de desordem pública completam as estatísticas.

Rio Branco, a capital da violência – O relatório apresenta uma visão geral das principais tendências globais e regionais para os diferentes tipos de crime e inclui uma análise inédita sobre os investimentos do estado em segurança pública. Rio Branco, com uma população de mais de 370 mil habitantes – praticamente metade da população do Acre –  é a cidade mais violenta do estado e a que apresentou maior variação positiva nessa escalada.
Como o ac24horas já mostrou semana passada, entre as capitais do Brasil, o município de José Maria da Silva Paranhos Júnior (o Barão de Rio Branco) ocupa a 15ª posição no ranking de cidades mais violenta com índice de 36,2 assassinatos a cada 100 mil habitantes.
Entre 2013 e 2014 os crimes de latrocínio aumentaram em 71,8%, crimes violentos letais internacionais cresceram 8%. A cada mês 8 veículos são roubados e 17 carros são alvos de pequenos furtos praticados em sua maioria para a manutenção do tráfico de drogas. Foram 93 registros de roubo de veículos e 210 registros de furtos.
Variação positiva no tráfico de entorpecentes mostra a fragilidade das fronteiras, assunto que foi alvo de criticas pelo irmão do governador do Acre, o senador e vice-presidente do senado, Jorge Viana (PT-AC).
“Nós somos um Estado de fronteira e lamentavelmente tem diminuído os investimentos na área de fronteira. Quando você tira os investimentos do programa de defesa do país, você também tá (sic) dando um sinal e dizendo: olha vai tá mais aberto a possibilidade de entrada de armas e drogas nas fronteiras. E essa é um das doenças do Brasil, a entrada de armar ilegais e a entrada de drogas, que é combustível que os marginais usam para espalhar o medo, destruir as famílias, destruir a vida” analisou o senador em reunião com o Comando de Segurança Pública.
O tráfico de entorpecentes registrou 356 ocorrências em 2014, um aumento de 3,1% com relação ao mesmo período de 2013. A segurança em Rio Branco vence o tráfico de drogas quando o assunto é o uso de entorpecentes, a queda no consumo foi de 6,1% nesses casos.

O perfil de nossos infratores – O estudo de vulnerabilidade juvenil (IVJ) apresentado pela reportagem semana passada, fala de um estado pobre, de jovens fora da escola que veem no tráfico de drogas, uma oportunidade para “crescer” economicamente.
A relação entre violência homicida e níveis de desenvolvimento econômico e social tem sido enfatizada pela pesquisa no campo criminológico, o que mostra que a desigualdade, a pobreza e a fragilidade do Estado de Direito, entre outras coisas, estão ligados a conflitos e à violência. No Acre isso não é diferente, os dados mostram que a violência chegou a áreas sem conflito, em municípios do interior que tradicionalmente eram conhecidos pelo ambiente de paz. Tarauacá, cidade que garantiu a reeleição do médico e governador Sebastião Viana, é considerada uma das mais violentas. Por falta de condições de trabalho, o delegado José Obetânio, titular da Delegacia de Polícia Civil, ameaçou ir embora da cidade. O consumo de álcool etílico inclusive por populações indígenas – comuns na convivência urbana – é uma das variáveis que aumenta a violência na região.
Em Tarauacá e nos demais presídios do estado, a maior população é jovem entre 18 e 24 anos, um total de 813. Se entender a faixa para até 34 anos, a população corresponde a quase metade dos encarcerados: 1.675.
Negros e pardos correspondem a quase 90% dos presos em todo o estado, 7,7% analfabetos e 51% com ensino fundamental incompleto, que estavam fora da escola quando praticaram crimes.
Fonte: http://www.ac24horas.com/2015/10/14/a-semana-que-o-crime-organizado-comandou-acoes-de-terror-de-dentro-da-foc-e-mudou-a-rotina-das-familias-acreanas/

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