segunda-feira, 9 de novembro de 2015

O STF autorizou entrar na casa sem mandado? A resposta é não!



Por Rômulo de Andrade Moreira e Alexandre Morais da Rosa – 30/10/2015
O Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu, na sessão do dia 05 de novembro, o julgamento do Recurso Extraordinário nº. 603616, decidindo que “a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori,(sic) que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados”. (grifamos).
De acordo com o entendimento firmado, entre os crimes permanentes, para efeito de aplicação da tese, está o depósito ou porte de drogas, a extorsão mediante sequestro e o cárcere privado. Em seu voto, o Ministro Gilmar Mendes afirmou “que a busca e apreensão domiciliar é claramente uma medida invasiva” e que, nada obstante ser “de grande valia para a repressão à prática de crimes e para investigação criminal”, “ocorrem abusos – tanto na tomada de decisão de entrada forçada quanto na execução da medida”, reconhecendo “que as comunidades em situação de vulnerabilidade social muitas vezes são vítimas de ingerências arbitrárias por parte de autoridades policiais”. O relator deixou assentado, de forma clara, que o julgamento foi um avanço para a concretização da garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio. (também grifamos).
Na oportunidade, o Ministro Marco Aurélio igualmente deixou consignado o seu absoluto receio de “que, a partir de uma simples suposição, se coloque em segundo plano uma garantia constitucional, que é a inviolabilidade do domicílio“, indagando: “O próprio juiz só pode determinar a busca e apreensão durante o dia, mas o policial então pode – a partir da capacidade intuitiva que tenha ou de uma indicação –, ao invés de recorrer à autoridade judiciária, simplesmente arrombar a casa?
Portanto, é importante que compreendamos que esta decisão do Supremo Tribunal Federal não foi um “cheque em branco” dado à Polícia para que invada domicílios, especialmente aqueles situados na periferia e nas favelas das metrópoles, muito pelo contrário (pois, evidentemente, nos bairros “nobres” a própria seletividade do Sistema Penal não o permite, nada obstante a existência ali de tráfico de drogas).
Óbvio, que é preciso que se respeite a inviolabilidade do domicílio, direito fundamental do sujeito, declarado na Constituição da República, e a Suprema Corte não poderia decidir de forma diferente, nem admitir abusos policiais, como sói acontecer. Afirma o texto da Constituição: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial.”
Saliente-se que não cabe a justificativa de ter o delito de tráfico de drogas natureza permanente, porquanto não desautoriza a autoridade de obter o devido mandado de busca e apreensão para ingressar no domicílio alheio, inclusive por não estar anteriormente visível as circunstâncias do flagrante.
Aliás, “desconstruindo a afirmativa que deve ser analisada frente às narrativas comuns aos autos de prisão em flagrante por tráfico de drogas, descobre-se que, em regra, não há uma situação de flagrância comprovadamente constatada antes da invasão de domicílio, o que a torna ilegal, violadora de direito fundamental. Porém, como em um passe de mágica juridicamente insustentável, por uma convalidação judicial, a apreensão de objetos ou substâncias que sejam proibidos ou indicativos da prática de crime e a prisão daquele(s) a quem pertença(m) travestem de legalidade uma ação essencialmente – e originariamente – violadora de direito fundamental”.[i]
Também muito a propósito, Pierpaolo Cruz Bottini e Ana Fernanda Ayres Dellosso afirmam que “nas buscas domiciliares, há um conflito de interesses em jogo – a busca da verdade, para realização da justiça criminal, e a preservação da intimidade e da inviolabilidade do domicílio. O consentimento do morador aparece como primeira forma de solução desse conflito. No entanto, é preciso cautela na sua análise, sempre diante das circunstâncias de obtenção da prova e da atuação da autoridade policial. Como pontua a doutrina processual penal, durante o dia ou à noite, o morador pode permitir a entrada em sua casa e, nessa situação, dispensa-se mandado judicial para realização de busca domiciliar. O consentimento, porém, deve ser real e livre, despido de vícios como o erro, violência ou intimidação. Evidentemente que, em cada caso concreto, o consentimento do morador deve ser analisado com cautela e nunca presumido, especialmente para que se evitem abusos da autoridade policial. Dessarte, se há o consentimento do morador para buscas domiciliares, algumas questões devem ser bem refletidas: (I) forma do consentimento; (II) pessoa que consente e seu grau de esclarecimento sobre as implicações da medida. Sobre a forma do consentimento, deve ser expresso e jamais presumido, sendo que não há previsão legal de forma especial. (…). No tocante à pessoa que consente, deve ser aquele titular do direito à inviolabilidade do domicílio. A doutrina destaca que a permissão deve ser do próprio sujeito da medida de busca e apreensão ou de outra pessoa que possa, legitimamente, representá-lo. Ressalvas são feitas, ainda, às habitações coletivas, em que o consentimento por um dos moradores não autoriza a busca na casa ou aposento de terceiros. No entanto, maior relevo tem a questão do grau de esclarecimento do morador que consentiu na realização da busca e apreensão. Para que se solucione o conflito de interesses – busca da verdade para realização da justiça e inviolabilidade do domicílio – por via consensual, é necessário que aquele que consente tenha pleno conhecimento das circunstâncias e consequências da realização da busca domiciliar, bem como que isso seja documentado. No ponto, não há previsão legal. Contudo, tratando-se de medida que pode implicar a produção de prova contra o próprio morador que consente com a busca, para que ele decida de forma justa e válida se franqueará a entrada em sua residência, necessário que no mínimo lhe sejam esclarecidos seus direitos e o alcance da inviolabilidade do domicílio, bem como as consequências da realização da busca domiciliar. A mesma lógica e o mesmo cuidado são observados nos procedimentos de interrogatórios, tanto judicial quanto policial, a fim de garantir o direito da pessoa de não produzir prova contra si (deriva das previsões constitucionais – art. 5.º, LVII e LXII – e consagrado do Pacto de São José da Costa Rica, art. 8.º). Além disso, no ponto do consentimento, necessária observância de cuidados, a fim de assegurar que este seja consciente e válido. Frise-se que o consentimento não se presume e requer prova, cujo ônus é do Estado. Mais do que isso, parece-nos essencial que sejam esclarecidos, ao sujeito da medida e de forma documentada, os seus direitos, o alcance da inviolabilidade do domicílio e as consequências de sua decisão por franquear a entrada de policiais para a busca domiciliar. Trata-se de medidas mínimas para coibir abusos da autoridade policial e fazer valer um Estado Democrático de Direito.”[ii]
Ora, o Processo Penal funciona em um Estado Democrático de Direito como um meio necessário e inafastável de garantia dos direitos do acusado. Não é um mero instrumento de efetivação do Direito Penal, mas, verdadeiramente, um instrumento de satisfação de direitos humanos fundamentais e, sobretudo, uma garantia contra o arbítrio do Estado. Certamente sem um processo penal efetivamente garantidor, não podemos imaginar vivermos em uma verdadeira democracia[iii]. Um texto processual penal deve trazer ínsita a certeza de que ao acusado, apesar do crime supostamente praticado, deve ser garantida a fruição de seus direitos previstos especialmente na Constituição do Estado Democrático de Direito.
Aliás, Alexandre já havia afirmado: E quando o conduzido (já preso) autoriza ou seus familiares autorizam?Claro que o argumento seguinte é: mas o proprietário /conduzido autorizou a entrada.
Será que alguém acredita, mesmo, que o conduzido autorizou? Não há verossimilhança, ainda mais com o constante acolhimento jurisdicional dessa prática, mormente em se tratando de crime permanente, como de tráfico. A prevalecer essa lógica, a garantia do cidadão resta fenecida.
Fonte:http://emporiododireito.com.br/o-stf-autorizou-entrar-na-casa-sem-mandado-a-resposta-e-nao-por-romulo-de-andrade-moreira-e-alexandre-morais-da-rosa/

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