sábado, 11 de setembro de 2010

DENÚCIA DO MPF - POLICIAIS FEDERAIS BARRADOS EM "BOATE" POR DELEGADO



EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ FEDERAL DA 7ª VARA FEDERAL CRIMINAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO RIO DE JANEIRO

Autos nº 2008.51.01.815339-0 (IPL nº 2143/2008 - DELEFAZ)


O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL vem oferecer DENÚNCIA em face de

RÔMULO VIEIRA ALVES, brasileiro, Delegado de Polícia Civil, matr. 860.952-1, nascido aos 24.6.1963, filho de Reginaldo Pereira Alves e de Clorildes Vieira Alves, portador dos documentos de identidade nº 8609521-SEPC-RJ e nº 860.140 OAB/RJ, inscrito no CPF sob o nº 692.716.827-34, com endereço residencial à Rua Maria Romeiro, Madureira, s/nº, e endereço profissional na 29ª Delegacia de Polícia, localizada na Av. Edgar Romero, em Madureira, nesta capital, tel: (21) 3350-7575;

pelos fatos delituosos que passa a expor:

I – DOS FATOS

No dia 24 de agosto de 2008, aproximadamente às 3h00, o acusado, no exercício aparente e ilegal da função de chefe da segurança da Boate '021', na Barra da Tijuca, invocou sua qualidade de Delegado de Polícia e impediu o acesso ao interior do estabelecimento noturno dos Agentes de Polícia Federal FELIPE ROMERO e GERSON COSTA na posse de suas respectivas armas, atentando livre e conscientemente contra direito assegurado ao exercício desembaraçado da profissão por por eles exercida.

As vítimas chegaram ao local na madrugada daquele dia acompanhados das respectivas namoradas e de uma amiga, identificando-se, desde logo na porta de entrada, como policiais federais, para que fossem registrados seus dados funcionais e os dados das armas, como é procedimento de praxe em casas noturnas.

Foram então acompanhados pelo segurança ANDRÉ LUIS à sala onde são feitas tais anotações, local onde foram informados que teriam de acautelar suas armas, conforme determinação do chefe de segurança da casa. Pediram então as vítimas para falar com o responsável pela ordem, com o fim de defender o exercício do direito assegurado aos integrantes da Polícia Federal de portarem a todo tempo suas respectivas armas em lugares públicos, ainda que fora da jornada de trabalho.

Chamado à presença dos Agentes, o acusado de pronto repeliu a invocação do direito procedida pelas vítimas, ao argumento de que, além de chefe da segurança da casa, era Delegado de Polícia Civil, e por essa razão ninguém entraria armado no local. O acusado afirmou ainda, categoricamente, que ali se aplicaria o "decreto estadual", e que, caso houvesse qualquer incidente com a arma, o estabelecimento seria responsabilizado civilmente.

Os agentes federais insistiram que o porte das armas era direito assegurado ao exercício do cargo, mas o acusado, em que pese justamente sua qualidade de autoridade policial, manteve-se irredutível. Então o APF GERSON retirou sua arma do coldre, desmuniciando-a, e consentiu em entregá-la ao denunciado, advertindo-o, porém, de que, caso não possuísse autorização para portá-la, poderia prendê-lo em flagrante.

Seguiu-se longa discussão entre os envolvidos, tendo o APF FELIPE ROMERO acionado a Delegacia de Dia da Polícia Federal. Indagado pelos agentes que acorreram ao local, o acusado declarou que só permitiria o ingresso de pessoas armadas no local por ordem judicial ou em serviço, uma vez que, se ocorresse qualquer incidente, a casa poderia ser responsabilizada.

Inequívoco, portanto, o dolo de atentar contra direito assegurado em lei ao exercício da profissão, à vista do objetivo único que movia o acusado na ocasião, qual seja, a proteção da casa noturna contra possível responsabilização por atos ocorridos no seu interior. Assim agindo, o acusado sobrepôs o interesse particular dos donos da boate – que ali representava, apesar da absoluta incompatibilidade com a qualidade de autoridade policial por ele a todo tempo invocada –, ao direito legalmente garantido aos policiais federais de portar arma em qualquer lugar público, ainda que fora da função (ver art. 34 da Lei nº 10.826/03; art. 33 e seguintes do Decreto nº 5.123/04, que a regulamentou; e art. 27 da Instrução Normativa nº 23/05 do Departamento de Polícia Federal; nos quais não se vislumbra qualquer restrição ao porte de arma por policiais federais em casas noturnas).

Registre-se que, no dia seguinte aos acontecimentos, o acusado formulou representação junto à Corregedoria Regional de Polícia Federal, imputando aos APF's FELIPE ROMERO e GERSON COSTA a prática de crime de abuso de autoridade, afirmando falsamente, "verbis": "[...] que no dia 24.08.08 estava na boate '021' quando foi informado pelo chefe de segurança da presença de dois policiais federais, os quais aparentavam estar bêbados e insistiam em permanecer armados no interior da boate."

Narrou ainda, dentre outros fatos, que o APF GERSON teria retirado a arma da cintura dando a impressão de que iria atirar, tendo dito, logo após, que a sua intenção não era essa, mas sim a de dar voz de prisão ao Delegado por porte ilegal de arma, o que acarretou longa discussão sobre a possibilidade de a referida autoridade ser presa por agentes da Polícia Federal (ver fls. 08/10).

O acusado, outrossim, no dia 28.08.08, registrou ocorrência na 16ª Delegacia de Polícia/RJ, na qual relatou os mesmos fatos, apesar de, enquanto Delegado de Polícia e supostamente professor de processo penal[1], ter pleno conhecimento da falta de atribuição da autoridade estadual para apurar crimes de abuso de autoridade supostamente praticados por Agentes de Polícia Federal, já que a figura penal está diretamente vinculada à investidura na função pública.

Fica claro, assim, que o acusado RÔMULO VIEIRA ALVES representou contra os APF's FELIPE ROMERO e GERSON COSTA na tentativa de se resguardar no caso de possível instauração de investigação para apurar o crime de abuso de autoridade por ele cometido na noite anterior, imputando falsamente ao APF GERSON a conduta de portar arma bêbado, a qual configura crime previsto na Lei nº 10.826/2003, já que o porte de armamento em estado de embriaguez é vedado por expressa disposição regulamentar (ver art. 26, § 2º, Decreto nº 5.123/2004).

Manifesto, portanto, o estratagema do denunciado de tentar iludir a persecução penal, colocando em cheque a credibilidade dos agentes envolvidos nos fatos ocorridos no dia 24.08.08, ao lhes atribuir falsamente a conduta de portar arma embriagados, desviando o foco de sua própria conduta criminosa.

Dessa forma, o acusado não só incidiu nas penas do crime inserto no art. 3º, alínea "j", da Lei nº 4.898/65, por atentar dolosamente contra direito legal assegurado ao exercício da profissão de Agente de Polícia Federal, titularizado pelos APF's FELIPE ROMERO e GERSON COSTA, como também incorreu nas sanções do art. 339 do Código Penal, ao dar causa deliberadamente à instauração de inquérito policial, imputando falsamente ao APF GERSON COSTA a conduta criminosa de portar arma alcoolizado. Importante ressaltar que, à vista da aparente disparidade de versões sobre os fatos existentes nos autos, este órgão ministerial esclarece que formou sua opinio delicti a partir, sobretudo, dos depoimentos do segurança da boate MÁRIO LUIZ NASCIMENTO DE CARVALHO, que, às fls. 53/54, atestou que o denunciado RÔMULO VIEIRA ALVES de fato trabalhava no local; e do gerente do estabelecimento ANTONIO ERISTON FONTELES que afirmou ser o APF FELIPE freqüentador assíduo da casa, tendo sempre entrado armado no interior da boate, sendo, apenas naquele dia, impedido pelo o acusado RÔMULO, chefe da segurança.

O gerente acrescentou, ademais, que o APF FELIPE ROMERO nunca causou problemas no local e não aparentava estar embriagado, o que se coaduna com os demais elementos indiciários colhidos contra o denunciado no procedimento investigatório (fls. 57/58). Note-se que referidas declarações foram confirmadas, inclusive, pelo segurança ANDRE LUIS no depoimento que prestou na Polícia Federal (fls. 55/56), assim como no depoimento da testemunha LOURIVAL DO NASCIMENTO JUNIOR, esta contactada para depor pelo próprio Delegado de Polícia Civil, tendo, às fls. 89, reconhecido que o APF FELIPE não aparentava estar embriagado, ao contrário do afirmado pelo acusado em sua representação.

É relevante destacar que os depoimentos prestados na 16ª Delegacia de Policia pelo gerente ANTONIO e por LOURIVAL, no ponto em que confirmam a suposta embriaguez dos agentes federais, foram desmentidos pelos próprios declarantes ao serem convocados para depor no IPL nº 2143/2008 (ver fls. 57/58, 73/74, 81/82 e 88/89).

Não é demais fazer alusão, outrossim, à patente falta de verossimilhança da versão narrada pelo acusado na representação formulada – no sentido de que estaria no local por acaso e fora chamado pelos vigilantes da casa apenas porque sabiam de sua condição de Delegado de Policia Civil –, já que não explica o porquê de tamanho empenho em impedir a entrada dos agentes federais armados no local.

Por fim, no que se refere ao crime de abuso de autoridade imputado ao acusado, vale consignar que fica, de plano, afastada possível tese de que tenha o agente incorrido em erro de proibição, uma vez que, como Delegado de Polícia Civil, não é crível que desconhecesse ser inaplicável a agentes federais restrição ao porte de arma instituída por decreto estadual, já que constitui regra basilar em Direito que a disciplina de direitos e garantias assegurados aos integrantes da Polícia Federal é reservada à legislação federal.

II – DA CAPITULAÇÃO DELITIVA

Diante do exposto, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL denuncia RÔMULO VIEIRA ALVES como incurso nas sanções do art. 3º, alínea "j", da Lei nº 4.898/65, por 2 (duas) vezes, na forma do art. 70 do Código Penal; em concurso material com o art. 339 do Código Penal.

III – DO PEDIDO

Requer o MPF seja o réu processado e julgado na forma da lei, observado o disposto no art. 514 e seguintes do Código de Processo Penal, e, uma vez provados os fatos a ele imputados, a sua condenação às penas da lei.. Por fim, requer sejam notificadas para depor sobre os fatos narrados as testemunhas ora arroladas.

Rio de Janeiro, 19 de dezembro de 2008.

FÁBIO DE LUCCA SEGHESE
Procurador da República



Rol de testemunhas:
1) FELIPE ROMERO YAMADA MARTINS, Agente de Polícia Federal, mat. 14909, lotado no AIN/DPF/RJ;
2) GERSON COSTA DUTRA JUNIOR, Agente de Polícia Federal, mat. 15124, lotado na DREX/COT;
3) MÁRIO LUIZ NASCIMENTO DE CARVALHO, vigilante, RG nº 068.160.399 IFP/RJ, residente na Estrada da Tutóia, nº 516, Rua 01, lote 01, quadra 05, Cosme, Campo Grande/RJ, tel. 7827-4078;
4) LOURIVAL DO NASCIMENTO JUNIOR, Policial Militar, mat. 56478, lotado no 31º BPMERJ, residente na Rua Professor Henrique Costa, nº 260, apt. 502, Pechinca, Jacarepaguá, tel. 7812-7543;
5) ANTONIO ERISTON FONTELES, gerente da boate '021', RG nº 09534039-4 IFP/RJ, residente na Rua Vila Duque, nº 16, K apt. 401, Rio de Pedras, Jacarepaguá, tel. 3116-3615 e 8132-0715;
6) ANDRÉ LUIS DE ARAGÃO PINTO, vigilante, RG nº 09.724.256-4, residente na Rua Manoel Porto Filho, lote 20, quadra 19, Campo grande/RJ, tel. 9241-5270;

7) MARCOS HENRIQUE DE SOUZA REBELO, Agente de Polícia Federal, mat. 3103, lotado na SR/DPF/RJ; e
8) FRANCISCO JUNIOR RANGEL, Agente de Polícia Federal, mat. 2245, lotado SR/DPF/RJ.

[1] Como afirmado pela testemunha LOURIVAL DO NASCIMENTO JUNIOR às fls. 88/89 dos autos. Autos nº 2008.51.01.815339-0 - (IPL nº 2143/2008 - DELEFAZ)



MM (a). Juiz (a) Federal,

1. Ofereço denúncia em apartado em face de RÔMULO VIEIRA ALVES, em 6 (seis) laudas;

2. Como se infere da narrativa vazada na peça acusatória, a competência da Justiça Federal está firmada pela existência de interesse direto e específico da União na proteção a seus serviços – in casu, o serviço público federal de polícia, exercido em potencial por seus agentes em tempo integral (art. 301 do CPP). (STF, HC 81916-PA, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 17.9.2002. Precedentes citados: RE 300.244-SC e e RE 166.943-PR.)
 
A conduta imputada ao acusado, consistente em protagonizar negativa ilegal e eficaz de validade do porte funcional de arma de fogo, atingiu diretamente um direito assegurado ao exercício desembaraçado da elevada função de interesse federal cometida às vítimas.
 
Não há dúvida de que todos os agentes públicos encarregados da persecução criminal expõem-se, por efeito do estrito exercício de seus deveres, a um estado de vulnerabilidade e risco a sua integridade física maior do que os cidadãos em geral.
 
Nessa ordem de idéias, presta-se o porte funcional tanto como instrumento para o desempenho, quando necessário, desses deveres, quanto para a proteção dos agentes em eventual situação de risco causada pela sua condição. 

Ao atentar conscientemente contra o porte funcional federal, e, tanto pior, invocando a sua condição de Delegado de Polícia, o acusado lesou interesse direto e específico da União na proteção a seus serviços.
 
É dizer, abusou de sua autoridade em detrimento de bem jurídico de interesse federal.
 
Não bastasse, ao dar causa à instauração de inquérito policial federal contra as vítimas, imputando-lhes conduta que sabia criminosa mas dela sabendo-lhes inocentes, em clara estratégia para garantir sua impunidade pela prática do primeiro delito, o acusado também sujeitou-se a ver-se processado perante a Justiça Federal.

3. Como o habeas corpus impetrado buscava ver trancado inquérito policial já relatado (fls. 10 do habeas
e fls. 125 do IPL), sua apreciação,  




após o indeferimento da liminar (fls. 44/45) restou inequivocamente prejudicada, reservando-se o MPF a analisar as duas teses ventiladas pela combativa defesa técnica – incompetência da Justiça Federal e ausência de justa causa – na própria peça que veicularia a opinio delicti, fosse a convicção ministerial resultante positiva (denúncia) ou negativa (promoção de arquivamento).

4. Comunico haver remetido cópia integral dos autos à Secretaria de Estado de Segurança Pública e ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, para as providências cabíveis, respectivamente, pelo ângulo disciplinar e de improbidade administrativa.

5. Com o recebimento da denúncia, requeiro: 

a) sejam requisitadas as FACs estadual e federal atualizadas do acusado para juntada aos autos;
Rio de Janeiro, 19 de dezembro de 2008.
FÁBIO DE LUCCA SEGHESE
Procurador da República

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