sábado, 7 de abril de 2012
TJDF: PROC 2009.01.1.063074-4
SENTENÇA
Vistos etc.,
Trata-se de Ação Civil Pública proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL em face do DISTRITO FEDERAL.
Em suma, aduz o autor que, em 13 de setembro de 2005, foi publicada a
Lei Distrital nº 3.669/2005, que visava, entre outros, a reformulação da
organização da Polícia Civil do Distrito Federal.
Alega que a referida lei criou a carreira de Técnico Penitenciário,
cujos servidores seriam vinculados à Secretaria de Segurança Pública e
Defesa Social do Distrito Federal, e que teria por finalidade substituir
os Agentes Penitenciários, vinculados à Polícia Civil do Distrito
Federal, lotados nos estabelecimentos prisionais do DF.
Sustenta que, com base na referida lei, foi editada a Ordem de Serviço
nº 32/2009 - SESIPE, que facultou aos Agentes Penitenciários lotados nos
presídios distritais a possibilidade de, a qualquer tempo, requererem a
sua apresentação à Direção Geral da Polícia Civil do DF, para serem
remanejados para outras atividades a serem designadas pelo Diretor
Geral.
Declara que, em 07 de abril de 2009, encaminhara Recomendação ao
Secretário de Segurança Pública do Distrito Federal e ao Subsecretário
do Sistema Penitenciário do Distrito Federal para que, até que estejam
em exercício no sistema Prisional do DF, no mínimo 1800 servidores,
fosse suspensa a Ordem de Serviço nº 32/2009 - SESIPE, a qual
possibilita que os servidores do Sistema Penitenciário do Distrito
Federal, ocupantes do cargo Agente Penitenciário, optem por lotação na
Direção Geral da Polícia Civil do DF.
Aduz que, a partir da implementação da referida ordem de serviço, mais
de 200 Agentes Penitenciários já teriam deixado as unidades prisionais e
que, por isso, vem ocorrendo a substituição de Agentes Penitenciários
experientes por Técnicos Penitenciários recém empossados, o que
fragiliza todo o sistema prisional do DF e expõe a população a grande
risco.
Ainda, alega que o número de servidores atuando no sistema prisional do
Distrito Federal é insuficiente e que, com a substituição dos agentes
pelos técnicos, tal situação apenas se agrava, de modo que a atuação do
Poder Judiciário tem sido prejudicada pela impossibilidade de transporte
de detentos para audiências em que a sua presença é necessária, bem
como os direitos dos próprios presos têm sido afetados pela limitação da
prestação do serviço de saúde, da oferta de atividades
profissionalizantes, bem como do direito de visitas e outras atividades
que dependem, entre outros fatores, da disponibilidade de servidores.
Declara que tais fatos ferem a Constituição Federal, à medida que vão de
encontro ao direito fundamental à segurança, direito difuso garantido
pela Carta Magna e cuja tutela jurisdicional é instrumentalizada por
meio de Ação Civil Pública, bem como dificultam o acesso dos presos aos
direitos que lhe são legalmente garantidos.
Relata, por fim, que foi proposta Ação Direta de Inconstitucionalidade
contra a lei distrital supracitada, por ferir competência exclusiva da
União, de organizar a Polícia Civil do Distrito Federal. Alega, porém,
que a propositura da referida ação não impede a análise incidental de
sua inconstitucionalidade.
Pugna pela antecipação dos efeitos da tutela para que se determine a
suspensão da Ordem de Serviço nº 32/2009 - SESIPE, com efeitos "ex nunc"
e a declaração de inconstitucionalidade dos arts. 7º, incisos I e III, e
13, parágrafo único, da Lei Distrital nº 3.669/2005, bem assim a
determinação de retorno imediato dos Agentes Penitenciários apresentados
à Direção da Polícia Civil em decorrência da referida ordem de serviço.
Juntou documentos às fls. 15-85.
Às fls. 89-106, o Ministério Público trouxe aos autos informações quanto
à não realização de audiências em processos criminais, em razão da não
apresentação dos acusados, agregando documentos.
Instado a se manifestar em caráter emergencial (fl. 88), o réu
manifestou-se à fl. 109, reservando-se o direito de adentrar o mérito
com a contestação.
Depois, vieram informações do requerido às fls. 115-146, nas quais se
alega, em síntese, que a Ordem de Serviço nº 32/2009 - SESIPE fora
expedida para disciplinar internamente a apresentação dos Agentes
Penitenciários ao Diretor-Geral da Polícia Civil, com o escopo de dar
cumprimento à determinação contida no parágrafo único do art. 13 da Lei
3.669/2005.
A não apresentação dos Agentes Penitenciários desatenderia ao comando do
art. 13 e seu parágrafo da citada Lei e a Procuradoria Geral do
Distrito Federal firmara parecer dando pela necessidade de cumprimento
da referida Lei, sob pena de improbidade administrativa.
Outrossim, o fato da norma em questão ter sido impugnada via Ação Direta
de Inconstitucionalidade não infirmaria sua presunção de
inconstitucionalidade, pois fora indeferido o pedido liminar.
De outro lado, o número de servidores atualmente lotados no Sistema Penitenciário seria de 1624 e não 1238, como afirmado na
inicial e existe um cronograma oficial de apresentação de Técnicos
Penitenciários de modo a superar em breve o número de 1800 servidores,
quantitativo que seria o recomendável.
Contesta a informação de inoperância de parte do presídio, por falta de
pessoal, pois não apenas o bloco "F", mas também o bloco "G" da
Penitenciária II do Distrito Federal foi colocado em funcionamento e que
o Sistema vem cumprindo progressivamente suas finalidades
institucionais.
A decisão de fls. 148-151 deferiu parcialmente o pedido de antecipação
de tutela para determinar, tão somente, ao Distrito Federal que se
abstivesse de efetivar novas transferências de Agentes Penitenciários
lotados no Sistema Penitenciário do Distrito Federal para a Direção
Geral da Polícia Civil.
Contra a referida decisão foram interpostos agravos de instrumento de
fls. 179-190 e 223-246, pelo MPDFT e pelo DF, cujos pedidos liminares
foram deferidos (fls. 207-211) e indeferidos (fls. 252-254),
respectivamente.
Pedido de assistência apresentado pela AGEPEN às fls. 213-215 e pelo SINPOL às fls. 282-290.
O Distrito Federal apresentou contestação às fls. 257-264, alegando que
apenas cumpriu com a determinação legal estabelecida no artigo 13,
parágrafo único, da Lei Distrital nº 3.669/2005, razão pela qual sua
conduta seria irrepreensível, e pugnou pela improcedência dos pedidos.
O Ministério Público apresentou réplica às fls. 408-422, oportunidade em
que fez breve resumo dos fatos ocorridos no curso do processo,
manifestou-se pelo indeferimento dos pedidos de assistência formulados,
bem como reiterou os termos da petição inicial, ressaltando, inclusive,
que, ao decidir a ADI proposta contra a Lei Distrital nº 3.669/2005, o
STF julgou inconstitucional o caput do artigo 13 e seu parágrafo único,
ambos da referida lei.
O juízo indeferiu os pedidos de assistência litisconsorcial e intimou as
partes para se manifestarem a respeito do interesse na produção de
outras provas, conforme decisão de fls. 432.
A certidão de fls. 450 registrou a inércia do Distrito Federal em especificar outras provas.
O Ministério Público se manifestou pelo não interesse na produção de outras provas, às fls. 450-v.
Às fls. 457-462, o MPDFT noticiou o reiterado descumprimento, por parte
do Distrito Federal, da decisão liminar proferida pelo TJDFT, em sede de
Agravo de Instrumento, desde o ano de 2009.
A decisão de fls. 537 determinou o imediato cumprimento da decisão
liminar, em 72 (setenta e duas) horas, sob pena de pagamento de multa
diária fixada em R$ 10.000,00 (dez mil reais), além de responsabilização
cível e criminal das autoridades intimadas.
Às fls. 543-544, a Direção Geral da Polícia Civil do Distrito Federal
solicitou, por meio de ofício, a dilação do prazo de 72 (setenta e duas)
horas fixado na decisão de fls. 537, alegando a possibilidade de
ocorrência de graves danos caso seja dado cumprimento à referida decisão
nos moldes em que foi prolatada, requerendo, ainda, a manutenção de, ao
menos, 47 (quarenta e sete) Agentes Penitenciários, que estão lotados
na Carceragem do Departamento de Polícia Especializada.
É o relatório.
Decido.
Antes de adentrar ao mérito, reforço a decisão proferida às fls. 432,
para indeferir os pedidos de assistência formulados pela AGEPEN e pelo
SINPOL, por não vislumbrar o interesse jurídico das referidas entidades
na defesa do ato administrativo impugnado pela presente Ação Civil
Pública, que pertence, tão somente, ao Distrito Federal, conforme bem
ressaltado pelo acórdão de fls. 437-438.
Vou mais além, para dizer que o SINPOL comunicou a interposição de
agravo de instrumento contra a decisão, que indeferiu a assistência
litisconsorcial, mas não promoveu a efetiva distribuição do recurso no
egrégio TJDFT, estando preclusa a oportunidade de insurgir contra aquela
decisão interlocutória (vide fls. 439-446).
Superada essa análise preliminar, avanço sobre o mérito.
Como já relatado, o Distrito Federal, com fundamento no artigo 13 da Lei
Distrital nº 3.669/2005, publicou a Ordem de Serviço nº 32/2009 -
SESIPE, que facultou aos Agentes Penitenciários lotados nos presídios
distritais a possibilidade de, a qualquer tempo, requererem a sua
apresentação à Direção Geral da Polícia Civil do DF, para serem
remanejados para outras atividades a serem designadas pelo Diretor
Geral.
Transcrevo o referido artigo:
Art. 13 Os Agentes Penitenciários da Polícia Civil do Distrito Federal
terão exercício nas unidades que compõem a estrutura orgânica da Polícia
Civil em atividades típicas de Polícia Judiciária.
Parágrafo único. Os Agentes Penitenciários da Polícia Civil do Distrito
Federal à disposição do Sistema Penitenciário serão apresentados ao
Diretor Geral da Polícia Civil do Distrito Federal, de forma
proporcional, a razão de um para um, ao número de cargos de técnico
penitenciário providos, com data limite até 31 de dezembro de 2007.
Por sua vez, o Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios entendeu que a ordem de serviço
supramencionada, juntamente com o texto legal transcrito, seria
inconstitucional, por representar ameaça ao direito constitucional à
segurança, à medida que implicaria em fragilização do sistema prisional
do Distrito Federal, além de desvirtuar a própria finalidade do cargo de
Agente Penitenciário, cuja regulamentação incumbe tão somente à União.
É essencial, para a apreciação da presente matéria, que se leve em
consideração o teor do acórdão proferido na ADI 3916/DF, que tratou da
constitucionalidade do artigo 7º, incisos I e III, e do artigo 13, caput
e parágrafo único, ambos da Lei Distrital nº 3.669/2005.
No julgamento da referida ADI, ficou assentado que, ao criar o cargo de
técnico penitenciário, o Distrito Federal estaria tratando de matéria
cuja competência lhe foi atribuída pelo artigo 24, inciso I da
Constituição Federal, que diz:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;
Logo, ao editar a Lei Distrital 3.669/2005, o ente distrital estaria
tratando de direito penitenciário, que é de competência concorrente da
União, dos Estados e do Distrito Federal.
Ainda, no referido acórdão, ficou assentado que, conforme precedentes do
próprio STF, mais especificamente a ADI 236, de relatoria do Ministro
Octávio Gallotti, a atividade de guarda e gerenciamento de presídios não
é atividade de Segurança Pública, razão pela qual a atribuição de tais
atividades, que incluem, entre outros, a vigilância de detentos, à
carreira de técnicos penitenciários, criada pelo Distrito Federal, não
implicaria em agressão ao artigo 144 da Constituição Federal, que prevê
especificamente quais seriam os órgãos responsáveis pela segurança
pública:
Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e
responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos
seguintes órgãos:
I - polícia federal;
II - polícia rodoviária federal;
III - polícia ferroviária federal;
IV - polícias civis;
V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.
Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal que o artigo 7º da Lei
3.669/2005 seria constitucional, não havendo óbice constitucional à
criação da carreira de Técnico Penitenciário, nem à atribuição a tal
carreira das atividades de guarda e gerenciamento de presídios.
Por sua vez, quanto à função da Polícia Civil do Distrito Federal,
entendeu o tribunal que a Constituição Federal foi clara ao traçar, como
suas funções precípuas, as funções de polícia judiciária e a apuração
de infrações penais, exceto as militares. É o que se aduz do parágrafo
4º do artigo 144 da CF/88:
§ 4º - às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de
carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de
polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as
militares.
No entanto, a mera existência do cargo de Agente Penitenciário, entre
aqueles que compõem a Polícia Civil do Distrito Federal, não constitui
em si uma inconstitucionalidade, pelo simples fato de a atividade de
vigilância de estabelecimentos prisionais não ser atribuída à carreira
Policial Civil.
Além disso e principalmente, deve-se considerar o fato de que a
legislação que rege a Polícia Civil do Distrito Federal, mais
especificamente o Decreto-Lei 2.266 de 1985, efetivamente criou o cargo
de agente penitenciário que, apesar de não ter suas atribuições
definidas em nenhuma das leis federais que tratam a seu respeito (Leis
Federais nº 9.264/96, 9.659/98, 11.134/05, 11.361/06 e 11.663/08), foi
regulamentado pela Portaria nº 49, de 15/09/2000, da Secretaria de
Gestão Administrativa do Distrito Federal, que prevê aos Agentes
penitenciários, entre outras incumbências, as atividades de atendimento,
vigilância, custódia, guarda, assistência e orientação de pessoas
recolhidas aos estabelecimentos prisionais do Distrito Federal.
Ora, em que pese a dissonância existente entre a carreira de Agente
Penitenciário e as atribuições constitucionalmente atribuídas à Polícia
Civil pela Constituição Federal, não se pode negar que o legislador
federal tinha o claro intuito, ao criar tal cargo, de confiar à Polícia
Civil do Distrito Federal a atribuição de gestão e guarda do sistema
prisional distrital, certamente como forma de suprir a lacuna criada
pela falta de um corpo funcional penitenciário próprio do Distrito
Federal.
Logo, caberia tão somente ao legislador federal extinguir, converter ou
adaptar tal cargo às funções prescipuamente atribuídas à Polícia Civil
do Distrito Federal, especialmente porque a organização da Polícia Civil
do Distrito Federal foi confiada, unicamente, à União, conforme versa o
artigo 21, inciso XIV, da Constituição Federal:
Art. 21. Compete à União:
(...)
XIV - organizar e manter a polícia civil, a polícia mili
tar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal, bem como prestar
assistência financeira ao Distrito Federal para a execução de serviços
públicos, por meio de fundo próprio;
Ao estabelecer, no artigo 13 da Lei 3.669/05, que os Agentes
Penitenciários da Polícia Civil do Distrito Federal teriam exercício nas
unidades que compõem a estrutura orgânica da Polícia Civil, em
atividades típicas de polícia judiciária, o legislador distrital,
indevidamente, imiscuiu-se em esfera de competência exclusiva do
legislador federal, alterando as atribuições legalmente confiadas aos
Agentes Penitenciários, ainda que a própria Constituição Federal
conceda, às Polícias Civis, as competências de polícia judiciária e de
apuração de infrações penais, sem, no entanto, deve-se ressaltar,
excluir a possibilidade de nelas estarem implicitamente inclusas as
atividades de custódia de apenados.
E mesmo que houvesse falha na legislação federal, não era dado ao
legislador distrital saná-la, sob pena de invadir a competência alheia.
Foi por essa razão que o STF, no julgamento da ADI 3916/DF, entendeu ser
inconstitucional o artigo 13 da Lei 3.669/05. Transcrevo a ementa do
referido julgado:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 7º, INCISOS I E
III, E 13, DA LEI DISTRITAL N. 3.669. ORGANIZAÇÃO DA POLÍCIA DO DISTRITO
FEDERAL. AGENTES PENITENCIÁRIOS. ALEGAÇÃO DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA
DA UNIÃO. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 21, INCISO XIV, E 32, § 4º,
DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. AÇÃO DIRETA JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.
1. Exame da constitucionalidade do disposto nos artigos 7º, incisos I e
III, e 13, da Lei distrital n. 3.669, de 13 de setembro de 2005, que
versa sobre a criação da Carreira de Atividades Penitenciárias.
2. A Constituição do Brasil --- artigo 144, § 4º --- define incumbirem
às polícias civis "as funções de polícia judiciária e a apuração de
infrações penais, exceto as militares". Não menciona a atividade
penitenciária, que diz com a guarda dos estabelecimentos prisionais; não
atribui essa atividade específica à polícia civil. Precedente.
3. A competência para legislar sobre direito penitenciário é concorrente
entre os entes da Federação, nos termos do disposto no artigo 24,
inciso I, da CB/88.
4. A Lei distrital n. 3.669 cria a Carreira de Atividades
Penitenciárias, nos Quadros da Administração do Distrito Federal, no
âmbito da Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania do
Distrito Federal. Não há inconstitucionalidade na criação, por lei
distrital, de carreira vinculada ao Governo do Distrito Federal.
5. O Poder Legislativo distrital foi exercido no âmbito da parcela da
competência concorrente para dispor sobre direito penitenciário.
6. Pedido julgado improcedente no que toca ao artigo 7º, incisos I e
IIII, e procedente no que respeita ao artigo 13, caput e parágrafo
único, da Lei distrital n. 3.669/05, vencidos o Ministro Relator e o
Ministro Marco Aurélio quanto ao último preceito.
(ADI 3916, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em
03/02/2010, DJe-086 DIVULG 13-05-2010 PUBLIC 14-05-2010 EMENT
VOL-02401-01 PP-00062)
De fato, por mais que se tente defender a correção do artigo impugnado,
pela análise do que foi previsto pelo próprio legislador constituinte
como função precípua das Polícias Civis, tal defesa esbarra,
impreterivelmente, na divisão de competências dos entes federados,
também estabelecida pelo legislador constituinte.
Logo, em que pese a possibilidade de o legislador distrital criar uma
carreira específica de técnicos penitenciários, vinculada, organizada e
mantida pelo próprio Distrito Federal, considerando a sua competência
para legislar a respeito de direito penitenciário que, como já
mencionado, não se confunde com segurança pública, não poderia ter
invadido a esfera de competência federal para, com a criação da nova
carreira, pretender modificar as atribuições da carreira de Agente
Penitenciário.
Ora, o próprio Distrito Federal, em sua contestação, defende a
legalidade da Ordem de Serviço nº 32/2009 - SESIPE, por estar amparada
pelo artigo 13 da Lei Distrital 3.669/2005. Entretanto, considerando que
tal texto normativo foi considerado inconstitucional pelo STF, a
referida ordem de serviço estaria, de maneira reflexa, igualmente
maculada pelo vício de inconstitucionalidade, razão pela qual não pode
subsistir.
Feitas essas considerações, uma vez verificada a inconstitucionalidade
do artigo 13 da Lei 3.669/2005 e, conseqüentemente, da Ordem de Serviço
nº 32/2009, é imperioso que os Agentes Penitenciários que foram
deslocados para outras áreas de atuação da Polícia Civil do Distrito
Federal retornem às suas lotações de origem, quais sejam, aquelas
vinculadas às atividades de guarda e manutenção de estabelecimentos
prisionais e carceragens.
E não há que se falar em prejuízo aos servidores, ainda que já adaptados
a novas funções, uma vez que o cargo para o qual foram aprovados,
mediante concurso público, foi o de Agente Penitenciário da Polícia Civil do Distrito Federal e não de Agente de Polícia, nem
de Delegado de Polícia, nem de Escrivão de Polícia, nem nenhum outro
cargo componente da Carreira Policial Civil da Polícia Civil do Distrito
Federal.
Ora, o Decreto-Lei 2.266/85, em seu artigo 1º, foi claro ao criar os
diferentes cargos da Carreira Policial Civil da PCDF, cujas atribuições
são distintas. Vejamos:
Art 1º Fica criada, no Quadro de Pessoal do Distrito Federal, a Carreira
Policial Civil, composta de cargos de Delegado de Polícia,
Médico-Legista, Perito Criminal, escrivão de Polícia, Agente de Policia,
Datiloscopista Policial e Agente Penitenciário, conforme o Anexo I
deste Decreto-lei com os encargos previstos em legislação específica.
Quando participaram do processo seletivo para o preenchimento de cargos
de Agente Penitenciário, os candidatos estavam cientes das atribuições
do cargo e do tipo de estabelecimento em que exerceriam seus serviços.
Por mais que o Distrito Federal tenha competência para legislar sobre
direito penitenciário, inclusive para criar quadro próprio de servidores
responsáveis pela guarda e manutenção dos estabelecimentos prisionais
distritais, e que, ao atribuir essa função (de guarda e manutenção de
presídios) à Polícia Civil, o legislador federal extrapolou os limites
constitucionalmente estabelecidos para essa força policial, o fato é que
o cargo de Agente Penitenciário continua a existir, com todas as suas
características e atribuições, e só poderá ser modificado ou extinto
mediante iniciativa do próprio Poder Legislativo Federal.
O que não se pode admitir é que, sob a justificativa da criação do cargo
de Técnico Penitenciário, se pretenda esvaziar o cargo de Agente
Penitenciário de suas atribuições legais, desvirtuando-o do propósito
original com que o legislador federal o criou ao estabelecer o quadro de
cargos componentes da Carreira Policial Civil da PCDF.
Não é possível admitir que um Agente Penitenciário exerça quaisquer
outras atribuições que não as de Agente Penitenciário, sejam elas quais
forem.
Como já analisado anteriormente, a lei que criou os cargos componentes
da Carreira Policial Civil da PCDF diferenciou, de maneira objetiva,
cada um dos cargos entre si, de modo que cada um exerça suas próprias
funções específicas.
Ainda que a atribuição constitucional da Polícia Civil seja de polícia
judiciária e de apuração de infrações penais, o fato é que o cargo de
Agente Penitenciário, mesmo que vinculado à Polícia Civil do Distrito
Federal, foge a essa regra.
Adentrando no velho debate travado entre os ideais de Konrad Hesse e de
Ferdinand Lassale, filio-me ao entendimento daquele primeiro ao entender
que a Constituição não é um mero espelho da realidade, mas também um
parâmetro de construção dessa realidade.
Existe, na Constituição, uma relação dialética entre aquilo que é e
aquilo que deve ser. É por essa razão que, quando a realidade foge aos
parâmetros da Constituição, são utilizados os instrumentos de controle
de constitucionalidade.
O Agente Penitenciário não tem função de polícia judiciária nem de
apuração de infrações penais, mas tão somente, conforme se verifica do
acórdão proferido na ADI 3916/DF, de "atendimento, vigilância, custódia,
guarda, assistência e orientação de pessoas recolhidas aos
estabelecimentos prisionais do Distrito Federal, acompanhar os processos
de reeducação, reintegração social e ressocialização do detento e
exercer as atividades policias inerentes ao seu mister", como "conduzir e
escoltar detentos e reclusos quando encaminhados à Justiça, Instituto
Médico Legal, Hospitais, Delegacias e outros estabelecimentos", além de
"vigiar os detentos e reclusos para prevenir quaisquer alterações da
ordem interna e impedir eventuais fugas" e "efetuar rondas periódicas de
acordo com as escalas preestabelecidas".
Se o legislador federal, ao criar o cargo de Agente Penitenciário,
atribuiu a um cargo colocado na estrutura da Polícia Civil funções que
vão além de polícia judiciária e apuração de infrações penais, não cabe
ao legislador distrital, nem ao Poder Executivo local, modificar, de
qualquer forma, a natureza do cargo, devendo mantê-lo com todas as
atribuições que lhe são inerentes, até que outra lei federal a revogue,
ou que o Supremo Tribunal Federal a declare inconstitucional.
Uma vez apreciada toda a matéria dos autos, verificada a
inconstitucionalidade dos instrumentos normativos que determinaram a
apresentação dos Agentes Penitenciários da Polícia Civil do Distrito
Federal para o exercício de atividades de polícia judiciária, que não
estão incluídas entre as atribuições do cargo, a procedência dos pedidos
é medida que se impõe, de modo que se suspenda, em definitivo, os
efeitos da Ordem de Serviço nº 32/2009, com o imediato retorno dos
Agentes Penitenciários apresentados à Direção Geral da PCDF em função da
referida OS, sob pena de responsabilização cível e penal das
autoridades públicas responsáveis.
Em caso de descumprimento da presente decis
ão judicial, ficam as autoridades públicas sujeitas, entre outros, às
penas previstas para o crime de desobediência a decisão judicial,
descrito no artigo 330 do Código Penal, bem como à configuração de ato
de improbidade administrativa, previsto no artigo 11, inciso II, da Lei
8.429/92, que implica, entre outros, na perda da função pública,
suspensão dos direitos políticos e proibição de contratar com o Poder
Público, além da possibilidade de incidir na hipótese de inelegibilidade
descrita no artigo 1º, inciso I, alínea l, da Lei Complementar nº
64/1990, alterada pela Lei Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha
Limpa).
Fica prejudicado o pedido de declaração da inconstitucionalidade do
artigo 7º, incisos I e III, e do artigo 13, caput e parágrafo único, da
Lei Distrital 3.669/2005, uma vez que, a esse respeito, já se manifestou
o STF na ADI nº 3916/DF, entendendo ser constitucional o artigo 7º e
inconstitucional o artigo 13, ambos da referida lei.
Quanto ao pedido formulado por meio do ofício encaminhado ao juízo e
juntado às fls. 543-544, nada a prover, posto que o peticionante não
possui legitimidade nem capacidade postulatória e, ainda que as tivesse,
já há muito tempo o Distrito Federal vem alegando a necessidade de
cumprimento "gradual e sem atropelos" da decisão proferida pelo TJDFT,
em sede de agravo de instrumento interposto pelo MPDFT, que determinou o
retorno dos Agentes Penitenciários ao Sistema Penitenciário Distrital,
conforme se verifica dos documentos de fls. 330-331, datado de
22/12/2009, e fls. 363-364, datado de 23/03/2010.
Já há mais de 02 (dois) anos o Distrito Federal vem postergando o devido
cumprimento das ordens judiciais proferidas por esse juízo e pelo
próprio e. TJDFT, o que só demonstra o extremo descaso com que a
Administração Pública Distrital vem tratando o Poder Judiciário, descaso
esse que não pode ser premiado com novas dilações de prazos.
Posto isso, resolvo o mérito da presente ação, na forma do artigo 269,
inciso I, do CPC e JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados, para
suspender, em definitivo, os efeitos da Ordem de Serviço nº 32/2009,
posto que fundamentada com base em norma declarada inconstitucional pelo
STF, bem como para determinar o imediato retorno dos Agentes
Penitenciários apresentados à Direção Geral da PCDF em função da
referida OS aos postos anteriormente ocupados, sob pena de
responsabilização cível e penal das autoridades públicas responsáveis.
Por imediato, entenda-se, no prazo improrrogável de 24 (vinte e quatro) horas.
Fica prejudicado o pedido de declaração da inconstitucionalidade do
artigo 7º, incisos I e III, e do artigo 13, caput e parágrafo único, da
Lei Distrital 3.669/2005, uma vez que, a esse respeito, já se manifestou
o STF na ADI nº 3916/DF, entendendo ser constitucional o artigo 7º e
inconstitucional o artigo 13, ambos da referida lei.
Em caso de descumprimento da presente decisão judicial, ficam as
autoridades públicas sujeitas, entre outros, às penas previstas para o
crime de desobediência a decisão judicial, descrito no artigo 330 do
Código Penal, bem como à configuração de ato de improbidade
administrativa, previsto no artigo 11, inciso II, da Lei 8.429/92, que
implica, entre outros, na perda da função pública, suspensão dos
direitos políticos e proibição de contratar com o Poder Público, além da
possibilidade de incidir na hipótese de inelegibilidade descrita no
artigo 1º, inciso I, alínea l, da Lei Complementar nº 64/1990, alterada
pela Lei Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa).
Intimem-se pessoalmente os Excelentíssimos Senhores Governador do
Distrito Federal, Secretário de Estado do Distrito Federal e
Diretor-Geral da Polícia Civil do Distrito Federal para provarem o
atendimento desta decisão, no prazo de 24 horas, sob as penas acima
descritas.
No prazo de 5 (cinco) dias, o Distrito Federal deverá informar ao Juízo a
relação de Agentes Penitenciários apresentados à Direção da Polícia
Civil e que ainda não retornaram ao Sistema Prisional do Distrito
Federal, para que sejam intimados a se apresentarem à Direção-Geral da
Polícia Cível do Distrito Federal, no prazo máximo de 24 horas, com
vistas ao seu imediato retorno ao Sistema Prisional do Distrito Federal,
sob pena de incorrerem nas penas acima descritas.
Sem condenação em custas nem honorários advocatícios.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Brasília - DF, sexta-feira, 14/10/2011 às 15h13.
Rômulo de Araújo Mendes
Juiz de Direito
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