segunda-feira, 6 de maio de 2013
Vitória Judicial: Disparo de arma de fogo, ausência de prova, absolvição confirmada
XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, réu devidamente qualificado nos autos, foi denunciado
pelo representante do Ministério Público que oficia nesta unidade
jurisdicional, pelos fatos e fundamentos expendidos na exordial de fls. 94/96.
Distribuído o feito e recebida a denúncia (fls.
98/99), foi determinada a citação do acusado para oferecimento de defesa
escrita, no prazo de 10 (dez) dias, dentre outras diligências requeridas pelo
MP e deferidas pelo juízo.
Citado o réu, houve oferecimento da defesa escrita
e a constituição de patrono (fls. 105/108), com a indicação de testemunhas.
Designada audiência, esta veio a ser efetivada em 10/12/2012,
às 08:45h, neste juízo. Declarada aberta a audiência foram inquiridas as
testemunhas XXXXXXXXXX, XXXXXXXXXX e XXXXXXXXXX, arroladas pela acusação, e XXXXXXXXXX. A defesa
dispensou a oitiva das demais testemunhas por ela arroladas.
Em seguida ocorreu o interrogatório do acusado. Não
havendo novas diligências a serem realizadas, nem provas a serem produzidas,
foi declarada encerrada a instrução, e pelo requerimento do Ministério Público
e defesa, concedeu-se vistas às partes para apresentação de memoriais no prazo
sucessivo de 05 (cinco) dias.
Apresentados os memoriais,
o parquet requereu a condenação do acusado, como incurso no art. 15,
da Lei n.º 10.826/03, e a defesa requereu a sua absolvição por não haver
restado clara a existência da conduta incriminadora.
Assim vieram os autos conclusos para a prolação da sentença
de mérito.
É o relatório. Passo a decidir.
A princípio, esclareço que não presidi a produção probatória,
porém, profiro a sentença em razão do afastamento do juiz titular para o
exercício da presidência da ASMAC, como é fato público e notório. Assim,
malgrado o princípio da identidade física do juiz, preconizado no artigo 399 do
CPP, a situação em apreço acolhe a exceção prevista no artigo 132 do CPC, aqui
aplicado subsidiariamente.
Analisando o contexto probatório, não entendo necessária
a reprodução das provas, pelo que julgarei o feito na conformidade das provas
até aqui produzidas.
Trata-se de denúncia oferecida contra XXXXX, vulgo "XX", como incurso no art. 15 da Lei
n.º 10.826/03, nos termos descritos na exordial acusatória, fatos que teriam ocorrido
no dia 11.08.2011, por volta das 10h, no final da Rua XXXXX, no Conj. XXXXX, nesta Capital, podendo ter efetuado disparos de arma de fogo,
tipo pistola, em lugar habitado.
A princípio a materialidade e a autoria do crime restaram
comprovadas por meio do Auto de Prisão em Flagrante (fl. 4), do Boletim de
Ocorrência n.º 1281/2011 (fls. 6/7), do Termo de Exibição e Apreensão (fls.
8/9), do Laudo Pericial de Exame de Constatação e Eficiência (fls. 25/27) e
pelos demais documentos juntados na fase administrativa pela Autoridade
Policial.
Contudo ao analisar-se detidamente todo o acervo probatório
produzido em fase instrutória, tanto a materialidade quanto a autoria não estão
plenamente comprovada, restando uma série de dúvidas, posto que as testemunhas
não conseguiram afirma se houve ou não os disparos.
E ainda, não ficou demonstrado se os cartuchos encontrados
em posse do acusado tinha sido disparados naqule momento, e muito menos
periciou-se o local onde teria ocorrido os tiros.
E como levantado pela defesa, não houve perícia nas
mãos do acusado, para que fosse constatada a incidência de vestígios de pólvora.
Senão, vejamos o resumo dos depoimentos colhidos na
instrução em juízo:
TESTEMUNHA XXXXXXXXXX: não
conheço o acusado; trabalho na madeireira do lado; eu só ouvi; chegou um
funcionário meu lá e falou que tava tendo uns disparos, provavelmente de arma
de fogo; saí lá fora e ouvi o disparo e ai eu liguei pro CIOSP, só isso; só fiquei até meio dia no local
depois fui almoçar; não vi a prisão; não tenho como afirmar que o acusado
efetuou o disparo, eu só ouvi; o som na festa tava um pouco alto, mas como tem
a serraria do lado...
TESTEMUNHA XXXXXXX: sou policial
militar; chegou pelo rádio que suspeitava que tinha um cidadão disparando arma
de fogo em uma residência; aí quando nos chegamos lá, procuramos a pessoa que
solicitou nosso serviço, aí encontramos o cidadão lá, e ele falou e indicou onde era a casa onde
aconteceu o disparo; nossa guarnição começou a observar por um buraco que tinha
no muro lá e observo que o XXXXX tava com uma arma na mão, dentro da
residência; quando a gente observou ele guardou a arma no porta-luva do carro
dele; aí a gente começou a questionar se ele era algum profissional de
segurança pública e coisa do tipo; até então não presenciamos nenhum disparo de
arma de fogo, pois teria caracterizado o crime, aí era flagrante delito; aí
ficamos aguardando ele sair do recinto, da residência, para a gente aborda-lo e
fazer os procedimentos cabíveis da lei; já era tarde por volta do meio dia, já
e aí quando ele saiu e nos abordamos, e ele assustado; ele disse que não tinha arma;
mas tinha arma no porta luvas;depois ele assumiu que tinha arma e que era
agente penitenciário; sobre o disparo perguntamos a ele, e ele não comento nada;
disse que não tinha sido; encontramos cartuchos deflagrados dentro do veículo
dele; ele não falou que tinha sido ele; o outro colega dele, a priori ficou
transtornado também, e não comento nada; e logo foi quase em frente, quando ele
saiu a gente tava numa residência, acho que a segunda residência depois da que
ele se encontrava; aí as pessoas observaram que tinha uma movimentação e
começou a sair; aí as pessoas começaram a querer punir por ele; dizendo que não
tava errado, e tal e a gente fez lá o procedimento, pegamos as testemunhas;
diziam que ele não tinha disparado que tava tranquilo; a gente indagou que até
pelo motivo da bebedeira, aí já aviam denunciado que eles estavam perturbando
as pessoas, e ele já estava errado por isso; aí não vamos fazer o procedimento; o outro
que tava com ele foi para delegacia na condição de testemunha...
TESTEMUNHA XXXXXX: participei da prisão dele; ninguém pode
dizer que foi ele que atirou, pois quando a gente chegou já tinha havido os
disparos no local; observamos como é que estava dentro da casa; no caso o carro
branco lá e a arma dentro do carro; ele tava dentro de casa, mas o quintal é
grande e o carro tava dentro do quintal; nos ficamos observado do lado de fora,
na rua, se o carro sai-se a gente ía abordar o carro; aí quando ele saiu a
gente abordou o carro; o XXXXX tava no carro com outro cidadão; a arma
tava dentro do carro com os cartuchos; tava dentro do porta-luvas; a principio
a gente perguntou (sobre os disparos), mas ele não respondeu nada; foi todo
mundo para a delegacia; após a abordagem ele se identificou como agente
penitenciário, inclusive disse que tava de férias; pela situação que
encontramos, a arma sendo dele, encaminhamos para a delegacia; só isso mesmo...
TESTEMUNHA XXXXX: eu tava na residência, eu tava lá
dentro; eu tava fazendo um caldo pros meninos e o som tava muito alto; eu não
ouvi disparo; eu não ouvi nenhum disparo; não vi o XXXXX com arma; a arma
tava; o cartucho eu não vi, pois estava conversando com o tenente que é meu vizinho;
que eu tenha ouvido ninguem falou em disparo; só sou amigo do acusado; sabia
que ele tinha a arma; não sei (se foi ele que efetou o disparo); não vi ninguem
com arma; que eu tenha visto o XXXX não tava bebendo; eu tava
na cozinha e a maior parte do tempo estava dentro da casa...
INTERROGATÓRIO DO ACUSADO
XXXXXXXXX: não fiz senhor
(efetou o os disparos?); não, não escutei barulho (sabe que fez?); deflagrei um
final de semana antes na fazenda (sobre os cartuchos); não sei doutor, eu tava
lá, cheguei na festa de manha lá, e meu carro tem um som atrás, aí coloquei um som,
e tava lá na festa; tem um parecer da PGE; o que passa o nosso sindicato é pode
portar; na época tinha Expoacre e o governo falou que tava liberado ir portando
arma; nunca fui condenado, nem processado antes; continuo sendo agente
penitenciário; morando junto; casa alugada; relação boa com os vizinhos, não
tenho inimigo não; não uso drogas; não uso cigarros; frequento a igreja batista
do bosque; gosto de jogar bola e treino judô; a arma ficou guardada no carro;
me apresentei como agente penitenciário; não neguei que tinha a arma...
As provas testemunhais colhidas perante a
autoridade policial e em juízo não reforça a acusação sustentada pelo órgão
Ministerial contra o réu, conforme é assente na jurisprudência:
DISPARO DE ARMA DE FOGO. AUSÊNCIA DE PROVA DA AUTORIA DO DELITO. ABSOLVIÇÃO CONFIRMADA. Como destacou a Magistrada,
absolvendo o apelado da acusação da prática do delito de disparo de arma de
fogo: “Pelo que se absorve da análise dos autos, os depoimentos colhidos
durante a instrução processual apresentam-se confusos e contraditórios entre
si. Com efeito, à vista dos elementos de prova carreados ao processo, descabe presumir
o autor do fato, até mesmo porque, se o réu não estava sozinho no local do
disparo, possível que qualquer dos outros tenha realizado a conduta descrita na
exordial. Além disso, impende-se ressaltar que as testemunhas Rafael e Sandro
relataram que estava escuro no local, de modo que não há como afastar a
possibilidade de equívoco na indicação do autor do disparo. A escassez de prova
leva à dúvida quanto à autoria do disparo. Destarte, não havendo um juízo de
certeza quanto à autoria, é devida a aplicação do princípio do in dubio pro
reo.” DECISÃO: Apelo ministerial desprovido. Unânime.(TJRS. AP. CRIM. Nº
70044081230. REL. DES. SYLVIO BAPTISTA NETO. 12/09/2009).
Este juízo tem firmado que, para prolação de um decreto
penal condenatório é indispensável prova robusta que dê certeza da existência
do delito e seu autor. A íntima convicção do Julgador deve sempre se apoiar em
dados objetivos indiscutíveis. Caso contrário, transformar o princípio do livre
convencimento em arbítrio.
A verificação da autoria do fato enseja análise minuciosa
da prova oral colhida na instrução do feito. Na hipótese dos autos, a prova
testemunhal apresenta-se contraditória, razão pela qual não autoriza a prolação
de um decreto condenatório.
O réu, em seu interrogatório, negou a acusação.
Afirmou que não ouviu disparo algum. A testemunha
Sr. Educinaldo Silva de Araújo que ligou para o CIOSP, em seu depoimento não
sabia afirmar com certeza se barulho que ouviu era mesmo de arma de fogo, nem
ao menos se foi o acusado quem efetuou os disparos.
No processo penal existe uma relação cuja igualdade
é estabelecida a partir de uma base principiológica. Sendo assim, de um lado
tem se o representante do órgão Ministerial que possui a carga da prova e de
outro lado tem-se o acusado (sujeito passivo, que sofre o processo). A única
forma de restabelecer a igualdade nessa relação é o respeito pelas garantias
penais e processuais do sujeito passivo, justamente por ser a parte mais fraca
na relação.
Dentre esses princípios, o que tem maior
importância é a presunção de inocência, que está diretamente relacionado à
regra do in dúbio pro reo. Neste sentido, o acusado é presumidamente
inocente até a prova em contrário, que cabe ao Ministério Público, e é o
respeito à condição de inocente do sujeito passivo que o protege de possíveis
arbitrariedades por parte dos agentes do Estado atuantes no processo penal.
No momento da decisão, o princípio da presunção de inocência
vem assegurado pela regra do in dubio pro reo, que determina a absolvição
quando a materialidade e a autoria (ou apenas um destes requisitos) não estejam
comprovados pelo conjunto probatório com o devido grau de veracidade. Acontece
dessa forma porque a presunção de inocência não pode ser quebrada quando a acusação não conseguir fazer
a prova da culpa do sujeito passivo. Conforme Lopes Jr, referindo Ferrajoli:
"(...) isso porque, ao estar a inocência assistida pelo postulado de sua
presunção, até prova em contrário, esta prova contrária deve aportá-la quem
nega sua existência, ao formular a acusação.
Trata-se de estrita observância
ao nulla accusatio sine probatione"(LOPES Jr, Aury. Introdução
Crítica ao Processo Penal - Fundamentos da Instrumentalidade Garantista. Editora Lumen Juris:
Rio de Janeiro, 2004).
Diante do exposto e por tudo mais que dos autos consta, JULGO
IMPROCEDENTE A AÇÃO PENAL PARA ABSOLVER o acusado XXXXXXXX, vulgo "XXXX", o que o faço com fundamento no artigo 386,
inciso VII, do CPP.
Sem custas.
Publique-se. Registre-se. Intime-se e após o
trânsito em julgado e o cumprimento de todas as formalidades, bem como
procedidas as baixas e as anotações de praxe, arquive-se.
Rio Branco-(AC), 29 de abril de 2013.
Luís Gustavo Alcalde Pinto
Juiz de Direito
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