Fixar gasto médio mensal de R$ 4 mil por presidiário em longas condenações pode transformar o preso numa espécie de "mercado futuro"
Com aproximadamente 200 mil presidiários e
liderando o ranking da população total de presos no País (cerca de 580
mil internos), o governo de São Paulo insiste na privatização de
penitenciárias propondo a criação inicial de 7,2 mil vagas no regime
fechado de cumprimento de pena. Vai assim na esteira de outros Estados
que já testam tal modelo, a exemplo de Minas Gerais com o Complexo
Prisional de Ribeirão das Neves. E todos, por sua vez, vão no rastro de
experiências internacionais, sobretudo a dos EUA que em 1983 recolocou
em prática a gestão privada no presídio de Chattanooga, no Tennessee –
isso após meio século de seu desuso porque ela se mostrara lucrativa
somente à iniciativa privada, sem contrapartida para a sociedade. A
maior empresa americana do setor, a Correction Corporation of America,
em cinco anos alavancou seu valor de mercado de US$ 200 milhões para US$
1 bilhão. A falta de retornos sociais, porém, faz com que hoje apenas
7% da população prisional americana (a maior do planeta, com 2,4 milhões
de detentos) esteja em instituições privatizadas.
O que pode então parecer, à primeira vista, uma solução para o caótico sistema penitenciário brasileiro guarda armadilhas. Estudos feitos no Brasil apontam que, com a privatização, cada preso custará mensalmente em média R$ 4 mil – quantia que os governos terão de repassar às empresas. Nem no Principado de Mônaco, onde se oferece champanhe no café da manhã (não é ironia, é isso mesmo), um presidiário custa tanto. Será que o prisioneiro, aqui, já não está sendo superfaturado? Se essa é a quantia necessária para mantê-lo, então como explicar que o governo paulista tenha despendido apenas R$ 41 per capita ao longo do último ano? Por que os gestores dos cofres públicos, tão econômicos na questão prisional, tornam-se generosos quando entra em cena a iniciativa privada?
Negócio é negócio, e é natural que empresários não ingressem nessa
empreitada para perder – a racionalidade do capitalismo é o lucro. O que
não vale, no entanto, é o Estado usar o falso argumento de que ele
gastará menos. Em 1999, o Paraná testou a privatização e desistiu: o
custo chegou a aumentar 80%, sem retorno na recuperação dos
institucionalizados, um dos objetivos da pena. Com a privatização,
ensinam as malsucedidas experiências, o condenado corre o risco de vir a
ser “o preso dos ovos de ouro”, um produto a gerar dividendos. Nos EUA
denunciou-se um esquema de lobby que forçava condenações cada vez
maiores, uma vez que, quanto mais longa for a permanência do
sentenciado na instituição, mais a empresa ganhará. Ligada a isso, há
outra armadilha: nos contratos reza que serão as empresas (como vimos,
interessadas na rentabilidade advinda de longo encarceramento) que
indicarão advogados aos presidiários e responderão pelos laudos que
mostram se eles podem progredir para o livramento condicional. Difícil
haver, portanto, isenção e imparcialidade. O Estado não pode abrir mão
de sua função ética de cuidar das pessoas das quais restringiu a
liberdade. Gastar mirrados R$ 41 como o governo paulista vem gastando é
manter nas cadeias uma economia subterrânea nutrida pelo narcotráfico e
organizada pelos próprios internos para sobreviverem. Mas, por outro
lado, fixar gasto mensal de R$ 4 mil por presidiário em parcerias não
inferiores a 27 anos pode transformar o preso numa espécie de “mercado
futuro” que afronta o Estado de Direito.
Fonte: http://www.istoe.com.br/colunas-e-blogs/coluna/330364_ARMADILHAS+NA+PRIVATIZACAO+DE+PRESIDIOS
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