terça-feira, 26 de agosto de 2014

Juiz proíbe a revista vexatória nos estabelecimentos penais do Amazonas

PORTARIA Nº 007/14 - VEP


O Juiz de Direito Titular da Vara de Execuções Penais do Estado do Amazonas, LUÍS CARLOS HONÓRIO DE VALOIS COELHO, usando das atribuições que lhe são conferidas por Lei.


  CONSIDERANDO o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro (art. 1º, III, da Constituição Federal;
  CONSIDERANDO a vedação de tratamento desumano e degradante como garantia fundamental insculpida no art. 5º, III, da Constituição Federal;
  CONSIDERANDO o art. 5º, X, também da Constituição Federal, que prevê o respeito à inviolabilidade e intimidade;
  CONSIDERANDO o princípio da personalidade da pena expresso no art. 5º, XLV, da Constituição Federal, estabelecendo que a pena não pode passar da pessoa do condenado;
   CONSIDERANDO que toda pessoa em privação de liberdade tem o direito de receber visitas previsto no art. 41, X, da Lei de Execução Penal;
 CONSIDERANDO a garantia de inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, sendo responsabilidade de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, vexatório ou constrangedor, conforme disposto nos arts. 17 e 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente;
 CONSIDERANDO o direito à convivência familiar assegurado no art. 227, da Constituição Federal e no art. 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente;
 CONSIDERANDO  o disposto no Estatuto do Idoso, nos arts. 10 e SS., que garantem a dignidade do idoso e a inviolabilidade de sua integridade física, psíquica e moral;
 CONSIDERANDO que a Organização dos Estados Americanos assegura a dignidade humana e o respeito aos direitos fundamentais durante o procedimento de revista, no Princípio XX, do Princípio e Boas Práticas para a Proteção das Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas, de 2008;
 CONSIDERANDO que a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou a Argentina e o Peru por adotar o procedimento de revista vexatória nos casos“X e Y vs. Argentina” de 1996 e  “Penal Castro Castro Vs. Peru” de 2006;
 CONSIDERANDO que o Relator Especial da ONU para Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Degradantes e Desumanos, em 2000, e o Subcomitê de Prevenção à Tortura da ONU, em 2012, recomendaram que o Brasil abolisse a prática da revista vexatória dos familiares dos presos;
 CONSIDERANDO que o Conselho Nacional de Política Criminal Penitenciária estabelece, na Resolução nº 9 de 2006, que a honra e a dignidade dos visitantes devem ser respeitadas no momento da visita;
 CONSIDERANDO que diversos estados brasileiros já proibiram a revista vexatória de familiares e amigos de pessoas privadas de liberdade, tais como Minas Gerais (Lei estadual nº 12.492/1997), Paraíba (Lei estadual nº 6.081/2010), São Paulo (Lei estadual nº 15.552/2014), Rio de Janeiro (Res. 330/2009, da Secretaria de Administração Penitenciária), Rio Grande do Sul (Portaria 12/2008 da Superintendência dos Serviços Penitenciários),  Espírito Santo (Portaria 1575-S de 2012 da Secretaria de Justiça), Goiás (Portaria 435/2012, da Agência Goiana do sistema de Execução Penal) e Mato Grosso (Instrução Normativa nº 002/GAB, da Secretaria de Estado de Justiça e Direitos Humanos);
 CONSIDERANDO que na Comarca de Joinville-SC, somente depois de portaria do juiz titular da Execução Penal (nº16/13), o Dr. João Marcus Buch, vedando as revistas vexatórias, o Estado instalou equipamentos eletrônicos que tornavam desnecessária a revista manual;
 CONSIDERANDO o Projeto de Lei 7.764/2014 em tramitação na Câmara dos Deputados que coloca fim à revista vexatória;
 CONSIDERANDO dados de recente pesquisa realizada pela Rede Justiça Criminal, no estado de São Paulo, demonstrando que apenas 3 em cada 10 mil procedimentos de revista vexatória resultaram na apreensão de objeto proibido, que em nenhum procedimento foi encontrado arma, e que foram apreendidos 4 vezes mais objetos proibidos no interior das unidades prisionais do que com os visitantes;
 CONSIDERANDO que, segundo o Núcleo Especializado em Situação Carcerária e a Ouvidoria Geral da Defensoria Pública do estado de São Paulo, foram realizados 3.407.926 procedimentos de revistas íntimas vexatórias em todo estado de São Paulo no ano de 2012 e em apenas 0,013% foram encontrados aparelhos celulares e em 0,01% foram encontrados entorpecentes, sendo que em nenhum caso foi encontrado armas;
 CONSIDERANDO a existência de formas de realização da revista dos visitantes das unidades prisionais que respeitem sua dignidade e que os direitos humanos das pessoas privadas de liberdade, seus familiares e amigos e dos agentes penitenciários devem ser sempre respeitados, sendo competência do juízo da Execução Penal tomar providências para o adequado funcionamento dos estabelecimentos penais (art. 66, VII, da LEP);
 CONSIDERANDO o DESPACHO OFÍCIO nº576/2014, oriundo do Procedimento nº 0201514-62.2014.8.04.0022 – Pedido de Providências, da Eg. Corregedoria-Geral de Justiça do Estado do Amazonas, que determina aos juízes da execução que atuem “para a erradicação de revistas que atentem ao princípio da dignidade da pessoa humana”, após ratificar conclusão do II Encontro Nacional do Encarceramento Feminino, promovido pelo CNJ;
 CONSIDERANDO, os debates realizados no I Encontro Nacional dos Grupos de Diálogo Universidade, Cárcere, Comunidade – GDUCC, promovido pelo Departamento Penitenciário Nacional, nos dias 13 e 14 de agosto de 2014, em São Paulo, e os dados que nos foram apresentados pela coordenadora do GDUCC da Universidade de São Paulo, Vivian Calderoni, muitos dos quais serviram de base para a presente portaria;
 RESOLVE:
 Art.1º No âmbito dos estabelecimentos penais de Manaus o procedimento da revista dos visitantes será realizado mediante o respeito à dignidade humana, à integridade física, psicológica e moral da pessoa revistada, sendo vedada qualquer forma de tratamento desumano ou degradante.
 Art. 2º Fica proibido qualquer ato que vise fazer com que os visitantes:
  I- Fiquem nus ou apenas de roupas íntimas;
  II - Façam agachamentos ou deem saltos;
  IIII- Submetam-se a exames clínicos invasivos ou toques íntimos genitais;
  IV- Tenham suas partes ínitimas revistadas com o uso de espelhos.
  Art. 3º É permitido o procedimento de revista manual e por meio eletrônico.
  § 1º Considera-se revista manual toda inspeção realizada mediante contato físico da mão do agente público competente sobre a roupa da pessoa revistada.
  §2º Considera-se revista por meio eletrônico toda inspeção realizada mediante uso de equipamentos eletrônicos detectores de metais, aparelhos de raio-x, escâner corporal ou aparelhos similares.
 Art. 4º Caso a suspeita de porte ou posse de objetos, produtos ou substâncias, cuja entrada seja proibida, persista após o uso de equipamento eletrônico ou a realização de revista manual, ou ainda o visitante não queira se submeter a esta, a visita poderá ser realizada no parlatório ou em local assemelhado, sem que haja contato físico entre o visitante e a pessoa presa.
 Parágrafo único. Na hipótese do caput, será lavrada ocorrência em documento próprio com a assinatura do agente público responsável, do visitante e de duas testemunhas, entregando-se a respectiva cópia ao interessado.
 Art. 5º Esta portaria entra em vigor na data de sua publicação.
 REGISTRE-SE, PUBLIQUE-SE e CUMPRA-SE. Encaminhando-se cópias aos representantes do Ministério Público neste juízo, à Eg. Corregedoria-Geral de Justiça, ao digno Secretário de Justiça e Direitos Humanos, à Procuradoria-Geral do Ministério Público, ao Diretor do Departamento Penitenciário Estadual, ao Conselho da Comunidade, ao Conselho Penitenciário, à Comissão de Direitos Humanos da OAB, e aos diretores de todos os estabelecimentos penais da capital do Estado do Amazonas, estes últimos com a advertência para imediato cumprimento da presente portaria.

     Manaus, 21 de agosto de 2014.

    LUÍS CARLOS H. DE VALOIS COELHO
                    Juiz de Direito

Fonte: http://www.luiscarlosvalois.com.br/revista_vexa.html

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