quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Caos anunciado: guerra entre facções foi precedida por falta de estrutura de trabalho na Segurança Pública




Folha do Acre entrevistou sindicalistas, secretário e especialista para falar sobre crime organizado no Acre

A guerra entre facções criminosas que disputam o controle do tráfico de drogas em Rio Branco resultou em 12 mortes em uma única noite, registradas na ultima quinta-feira (20), da cidade de Rio Branco, capital do Acre.

As mortes foram resultados de execuções com tiros à queima-roupa e até decapitações, bem ao estilo da máfia siciliana, sem contar os danos ao patrimônio acontecido nos últimos meses no Acre.
Na mesma noite de terror acontecida na última quinta-feira (20) os moradores do Segundo Distrito de Rio Branco, na histórica Rua Boulevard Augusto Monteiro, pararam para assistir, em choque, a escola mais tradicional da região, Carlos Vasconcelos, ser consumida pelas chamas e junto com ela ir embora parte da memória emocional daquele povo.

Antes do derramamento de sangue, o Acre foi vítima de uma série de roubos de caminhonetes e onda de latrocínio. As execuções em alta escala foram precedida por outro fato menos evidente, mas não menos falado: a falta de estrutura para que policiais civis e militares possam executar com a mínima condição o seu salutar trabalho. Não foram poucas as denúncias de quartéis caindo aos pedações, coletes vencidos, falta de internet e até impressora para que a Polícia Civil registre Boletim de Ocorrência, isso sem falar nas armas ultrapassadas e até registro fotográfico de viatura parada em movimentadas avenidas por falta de gasolina.

Longe dos olhos e das lentes da imprensa, há ainda reiteradas denúncias feitas pelo Sindicato dos Agentes Penitenciários do Acre dando conta do caos e abandono das unidades prisionais, composta por prédios arcaicos e com estrutura comprometida, sem jamais ter recebido um simples bloqueador de celular, scaner corporal e mesmo assim com suas surradas celas abarrotadas de presos, incluindo centenas de presos provisórios tratados da mesma forma que os sentenciados, misturando iniciantes e experientes líderes de facções. Todos estes fatores sempre estiveram à vista de todos, um caos anunciado e preparado para eclodir a qualquer hora.



Um problema antigo e complexo

Não são recentes as denúncias de falta de estrutura para o trabalho da Polícia Militar do Acre e nem das péssimas condições de estrutura dos complexo penitenciários de Rio Branco.
Há 5 anos, em 2010, o blog dos militares do Acre, “4 de Maio”, denunciou as péssimas condições que o presídio Francisco de Oliveira Conde e Antônio Amaro enfrentavam.
“Caindo aos pedaços. Assim pode ser descrita as guaritas e a muralha das unidades penitenciárias Francisco de Oliveira Conde (FOC) e Antônio Amaro, em Rio Branco. A denúncia foi realizada por policiais militares, ao Blog 4 de Maio”, afirmava parte do texto mantido no blog.
Além de denunciar as péssimas estruturas do prédio, houve também denúncia pelo pouco efetivo, composto por policiais militares efetivados e voluntários (provisórios), que realizavam a segurança nas unidades na época, em flagrante desrespeito a lei vigente.

“Outro problema denunciado está relacionado ao pouco efetivo. Muitas das bases distribuídas ao longo do grande muro estão desativadas”.


Há anos que a imprensa independente do Acre, com publicações na internet, divulgam informações de que as poucas reformas feitas em celas das unidades prisionais é custeada por familiares e pelos próprios presos com recursos, supostamente, arrecadados pelo tráfico de entorpecentes que impera em Rio Branco e no interior do estado.

Além das péssimas condições da penitenciária, há também a denúncia feita por militares de que os quartéis se encontram em total decadência e abandono. Teto desabando, alojamentos sem a minima condição de higiene, infiltração nas paredes e goteiras na cobertura são alguns dos problemas que atingem quartéis como o da Vila do Incra e Feijó.

A denúncia foi feita reiteradas vezes pelo então deputado estadual Major Rocha (PSDB) que atualmente desempenha função de deputado federal.

Falta de gasolina para viaturas e até internet para realizar registro de ocorrência em delegacias
 
Não é apenas falta de condição de estrutura nos quartéis e péssimas condições nas unidades prisionais que evidencia o caos na segurança publica no Acre. Há denúncias de viaturas que param em pleno trânsito por não conseguirem continuar o trajeto por falta de gasolina e delegacias na capital que deixaram de registrar boletins de ocorrência porque a internet foi cortada e sem o serviço não é possível acessar o sistema de registro de boletins de ocorrência.



Em maio de 2016, a imprensa denunciou um caso de paralisação de viaturas no município de Cruzeiro do Sul por falta de gasolina e manutenção. Cinco viaturas existentes para atender naquela cidade ficaram paralisadas no mês de maio por falta de combustível, falta de bateria e até pneus furados.

“Tem uma Pajero que está há seis meses parada sem bateria. Um Fiesta está parado com pneu furado há uma semana. Este pneu já havia sido doado por um policial. Os outros carros estão sem combustível”, denunciou um policial que não quis ter o nome revelado.

Em julho de 2016, o profissional liberal Jefferson Rodrigo denunciou ao site Folha do Acre que não conseguiu registrar um Boletim de Ocorrência na delegacia do Tucumã por falta de internet no prédio.

O presidente da Associação dos Militares do Acre (AME), Joelson Pontes, afirmou em entrevista exclusiva à Folha do Acre que não foi surpresa que a Polícia Militar não tinha efetivo suficiente, nem aparelhamento adequado para o enfrentamento à criminalidade.

Joelson afirma que inúmeras denúncias foram feitas pela AME dando conta da falta de condições de trabalho e defasagem no efetivo, que segundo ele está em 100%.

“Não foi dada a devida atenção para aquilo que vinhamos denunciando. Se fizeram de surdos para as nossas denúncias e ainda reduziram o repasse para área de segurança”, frisou.
Joelson criticou ainda a falta de reação e precaução da cúpula da segurança pública e lamentou também que há dois anos o Executivo tem deixado voltar cerca de R$ 5 milhões de fruto de convênio com o Ministério da Justiça.

“Não vejo de fato o governo preocupado com a Polícia Militar, preocupado com a população. O dinheiro que deveria ter sido investido há dois anos, hoje está fazendo falta.
Joelson
Sindicalista Joelson Pontes


Joelson também questionou a falta de providências diante da onda de violência que atingiu Rio Branco nos últimos dias.

“Você vê secretário e comandante dizendo que estavam investigando há mais de dois anos. Será que uma investigação de dois anos não foi capaz de prever isso que está acontecendo agora? De remediar? A gente ouve o áudio dos caras (bandidos) e porque não prendem?”, questionou.

A respeito das denúncias feitas pela AME, Joelson ressalta que reiteradas vezes cobrou melhores condições de trabalho para o efetivo, novas contratações e até aquisições de novos coletes.

“O governo tapou os ouvidos para o que precisávamos, há lotes de coletes que estão vencidos há 4 anos, efetivo defasado em 100% sendo que atualmente contamos apenas com 2,5 mil policiais, entre praças e oficiais, quando a necessidade real é de 6 a 8 mil homens”, disse.

A respeito da denúncia feita pelo presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Acre (Sindap), Adriano Marques, de que autoridades estariam fazendo acordo com o crime organizado para manter a aparente paz, Joelson frisou desconhecer o fato, mas não descarta a possibilidade, e salientou que é importante que a denúncia seja averiguada pelo Ministério Público Estadual.

“Quero acreditar que isto não acontece, até porque a partir do momento em que faz conchavo com facções, com bandidos, e estado e se torna iguais a ele, uma outra facção. A denúncia precisa ser investigada”, pontuou.

Joelson também denunciou o fato de representantes da Segurança Pública terem se negado a receber recursos alocados por parlamentares federais.

“Recentemente o senador Gladson Cameli (PP) e o deputado Wherles Rocha (PSDB) se prontificaram a auxiliar na liberação de recursos e isso foi recusado. Eles acham que se aceitarem estes recursos estarão fortalecendo a oposição, mas não é hora de pensar nisso, é hora de fazer um trabalho em prol de toda a sociedade”, disse.

Sindicalista denuncia negociações do Estado com líderes de facções



Um dia após a invasão ocorrida na Unidade Prisional 4, a “Papudinha”, que resultou em troca de tiros entre policiais e integrantes de facções criminosas, o presidente do Sindap, Adriano Marques, lamentou que apenas tardiamente o poder público tenha reconhecido a denúncia feita há anos pelo sindicato que afirmou haver três facções criminosas atuando no Acre e denunciou ainda que autoridades têm feito acordo com líderes das facções criminosas que levaram pânico ao Acre nos últimos dias.

Segundo Adriano, membros de facções mantêm regalias dentro do sistema prisional, sendo que alguns obtêm até permissão para manter aparelhos de televisão dentro da unidade Antônio Amaro Alves, onde foi implantando o temido Regime Disciplinar Diferenciado (RDD).

Além das regalias, os criminosos também recebem facas dentro do presídio, que, segundo Marques, são arremessadas por cima do muro colocando por terra as declarações do secretário de Segurança, Emylson Farias, de que a segurança foi reforçada nas muralhas.

Marques salientou, ainda, que não foi tomado nenhum tipo de medida para isolar presos, conforme declaração em entrevista de Emylsson, realizada um dia após o ataque à “Papudinha”.

“Os presos, líderes de organizações criminosas, não estão isolados, não existe reforço armado na frente dos pavilhões e na muralha da Unidade Antônio Amaro Alves. Inclusive, o líder do Comando Vermelho tem TV e com ele foram apreendidas facas dentro das celas, facas essas que são arremessadas pela muralha”, disse.

Marques afirmou que a direção do sistema prisional possui conhecimento sobre todas as deficiências do sistema, inclusive as reivindicações dos agentes que trabalham em precárias condições. O sindicalista voltou a frisar que muitos crimes poderiam ter sido evitados se a cúpula da segurança tivesse tomado providências em tempo hábil.
“O sistema penitenciário está em colapso. Há anos venho alertando as autoridades sobre isso, os movimentações das facções, tacharam-me de louco e hoje toda a sociedade sofre pela falta de investimentos nessa área. Um bloqueador de celular teria evitado muita coisa”, disse.
Marques encerrou afirmando que as ordens para a “guerra” entre as facções partem de dentro do presídio Antônio Amaro Alves.

Um outro agente penitenciário, que não quis se identificar, afirmou que por ignorar todas as denúncias dos agentes, o Acre institucionalizou as facções criminosas.

O agente afirmou, ainda, que o Estado negocia com o crime organizado. “O Estado, como não usa da força necessária (ou não dispõe da força necessária) acaba por negociar com os chefes das facções (que geralmente estão presos) para que as coisas ocorram dentro dos limites impostos pelos criminosos”, disse.

O diretor do Instituto Penitenciário, Martin Hessel, afirmou que o RDD não é aplicado para todos os presos, admitiu que os presos considerados de maior periculosidades estão mantidos na mesma unidade prisional, a Antônio Amaro Alves, e garantiu que checará se a autorização para manter a TV na cela foi dada pelo Judiciário
 
 

Eles utilizam técnica de guerrilha urbana e guerra psicológica, diz coronel Ulisses Araújo, especialista em Segurança Pública



A Folha do Acre entrevistou o coronel da Polícia Militar do Acre, Ulisses Araújo, especialista em segurança pública, membro fundador do Comando de Operações Especiais (COE), ex-comandante do Bope, profissional com especialização policial e militar nas áreas de Guerra na Selva (CIGS), SWAT, para saber qual a avaliação ele faz do momento enfrentando pelo Acre.

Para o coronel, trata-se de algo novo dentro do contexto histórico do estado.
“Estamos enfrentando grupos que de certa forma possuem um mínimo de estrutura que são utilizadas de forma sorrateira e intimidatória a fim de desafiar as instituições legalmente constituídas. Para isso utilizam de técnicas de guerrilha urbana e guerra psicológica”, disse.

Ulisses ressalta que a forças de segurança pública têm travado um bom, árduo e incansável combate para não permitir a instalação do crime organizado no Acre.
“Temos a polícia mais honesta do Brasil e também dedicada, há policiais que não estão dormindo mais de 2 horas por dia, pois a maioria vai em casa relaxar e ver a família e já voltam para o serviço”, disse.
A respeito do crescimento da violência, Ulisses creditou boa parte desse aumento ao que ele chamou de fragilidade na legislação.

“A legislação tem um cunho protecionista muito arraigado em favor dos que cometem delitos, além da falência do modelo atual do regime de cumprimento de penas privativas de liberdade e persecução da pena”, disse.


O coronel encerrou a entrevista afirmando que o Estado possui condições de controlar e até vencer a criminalidade não permitindo que grupos criminosos ganhem forças.

“Para isto é necessário investimentos, mudanças de cultura, leis e certeza de punibilidade, gestão otimizada de geração de emprego e renda, entre outras medidas”.

A respeito do crescente tráfico de drogas, o coronel cita a fronteira do Acre como rota de passagem primordial para drogas e armas.

“O Acre possui fronteira com Peru e Bolívia o torna rota de passagem de contrabando de armas, mercado esse que movimenta bilhões de dólares em todo o mundo. Tive contato com um general da polícia boliviana que informou sobre a prisão de contrabandistas que foram presos com 7 fuzis em direção a Inãpari e estavam se dirigindo ao Brasil usando o Acre como rota “, disse.


“O problema da segurança pública é complexo e só dinheiro não resolve”, diz secretário



Para o secretário de Segurança Pública do Acre, Emylson Farias, o caos que se instalou nos presídios acreanos e a onda de execuções supostamente motivada por guerra entre facções criminosas é um reflexo das mesmas disputas pelo território do tráfico de drogas que têm acontecido em todo o país.


Para ele, o debate sobre segurança pública perpassa temas como economia, geração de emprego e renda, entre outras coisas e, portanto, não é possível simplificar o problema e dizer que falta recursos é a causadora de todos os males.

“Falar que é por falta de R$ 1 milhão que foi devolvido ou por outra coisa pontual é uma visão simplista e superficial da segurança pública”, disse, ao rebater as críticas de que falta estrutura para que a segurança pública do Acre funcione a contento.

A respeito da devolução de recursos em 2014, Emylson afirma que o total do recurso era R$ 1 milhão e não R$ 5 milhões conforme afirma o presidente da AME. Farias afirma que o recurso foi fruto de um rendimento do convênio de R$ 13 milhões firmado através do Fundo Nacional de Segurança Pública.

“Esse foi o dinheiro que rendeu dos R$ 13 milhões que ficaram aplicados e que depois foram usados na sua integralidade, ou seja, o convênio cumpriu sua finalidade. Devolvemos o dinheiro por uma questão de cumprir o que é certo, o que determina a lei”, disse.

A respeito dos coletes vencidos, o secretário afirma que já está sendo adquirido novos coletes e munições para atender a demanda necessária do policiamento militar.

“Nós estamos adquirindo novos coletes, apesar de que recentemente compramos coletes que foram enviados para nosso policiamento no interior”, disse.

A respeito da defasagem no efetivo, Farias frisa que o governo de Tião Viana (PT) foi o que mais contratou policiais, tendo inclusive chamado todos do último concurso e até mesmo os que estavam em cadastro de reserva.

 Fonte: http://afolhadoacre.com.br/cotidiano/caos-anunciado-guerra-entre-faccoes-foi-precedida-por-falta-de-estrutura-de-trabalho-na-seguranca-publica/

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