sábado, 15 de agosto de 2009

"RESTRIÇÃO AO PORTE ILEGALIDADE"

Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
18ª CÂMARA CÍVEL
MANDADO DE SEGURANÇA 01402/2008
Impetrante: SINDICATO DOS SERVIDORES DA SECRETARIA DE JUSTIÇA
Impetrado: SECRETÁRIO DE ESTADO DE ADMINISTRAÇÃO
PENITENCIÁRIA
RELATOR: DESEMBARGADOR ROGERIO DE OLIVEIRA SOUZA


A C Ó R D Ã O
MANDADO DE SEGURANÇA. SECRETARIA DE
JUSTIÇA. AGENTES PENITENCIÁRIOS. PORTE DE
ARMA. ORDEM DE SERVIÇO. RESTRIÇÃO AO
PORTE. ILEGALIDADE. PORTE IMANENTE AO
CARGO. SITUAÇÃO PERMANENTE DE MAIOR RISCO
AO SERVIDOR PÚBLICO. INADEQUAÇÃO TÉCNICA
E PSICOLÓGICA QUE DEVE SER AVERIGUADA
CASO A CASO. CONCESSÃO PARCIAL DA
SEGURANÇA. Se o ato impugnado é de autoria de
autoridade subordinada, a autoridade hierarquicamente
superior tem legitimidade para figurar no mandado de
segurança, porquanto tem o poder de rever o ato da
autoridade delegada. Delegação que implica no poder de
revisão dos atos delegados. Se o ato normativo
impugnado tem efeitos concretos por ser uma ordem de
serviço e ainda apresentar relação nominal dos
servidores atingidos, não pode ser considerado como “lei
em tese”, suscetível, portanto, de controle através de
mandado de segurança. O cargo de agente penitenciário
é de risco por excelência e o porte de arma a tais
servidores é reconhecido expressamente pela Lei 10.826
de 2003 (“Estatuto do Desarmamento”). Se o agente tem
reconhecida sua aptidão técnica e psicológica para o
porte durante o serviço, por conseqüência lógica,
também apresenta as mesmas aptidões quando em
trânsito para a sua residência e nos horários de lazer e
descanso. Apenas situação individual e perfeitamente
determinada poderá retirar do agente penitenciário o
direito ao porte de arma. Atuação funcional que expõe o
servidor a constante e permanente risco de morte,
especialmente quando fora do ambiente de trabalho.
Com a aposentadoria, demissão ou falecimento do
servidor, o direito ao porte cessa, por cessar também,
em princípio, a maior exposição ao risco. Ordem de
serviço que não pode ser aplicada aos servidores em
atividade. Segurança que se concede em parte.
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VISTOS, relatados e discutidos estes autos do Mandado de
Segurança nº 2008.004.01402 em que é impetrante SINDICATO DOS
SERVIDORES DA SECRETARIA DE JUSTIÇA e impetrado SECRETÁRIO
DE ESTADO DE ADMINISTRAÇÃO PENITENCIÁRIA.
ACORDAM os Desembargadores da 18ª Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade, em
CONHECER DO MANDADO, REJEITAR A PRELIMINAR E CONCEDER
PARCIALMENTE A SEGURANÇA, na forma do voto do Desembargador
Relator.

Trata-se de mandado de segurança impetrado pelo Sindicato dos
Servidores da Secretaria de Justiça contra ato atribuído ao Secretário de
Estado de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro que, através de
ordem de serviço, determinou o recolhimento de armas acauteladas em favor
de seus filiados, agentes penitenciários, proibindo o seu porte fora do horário e
do local de serviço.
Aduziu o Impetrante que a Ordem de Serviço 0017, de
18.09.2008, lavrada pelo Subsecretário Adjunto de Unidades Prisionais é ilegal,
pois em confronto com as disposições da Lei Federal 10.826/2003 e com o
Decreto Estadual 6.174/72, ambos permitindo o porte de arma pelos agentes
penitenciários.
Pedem que “seja negado [sic], definitivamente, vigência à Ordem
de Serviço em causa, por violar direito líquido e certo dos Inspetores de
Segurança e Administração Penitenciária, de proverem seus direitos de defesa
da integridade física e da vida”.
Este Relator deferiu a liminar para sustar os efeitos da Ordem de
Serviço até o julgamento do mandado.
A autoridade coatora prestou informações às fls. 67/70,
sustentando que, embora seja “inquestionável” o direito do agente penitenciário
de portar arma de fogo, “este porte será autorizado somente após o
cumprimento do requisito a que se refere o inciso III do art. 4º da lei, qual seja,
a comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o
manuseio de arma de fogo”. Esclareceu, ainda que “não foi possível fazer o
presente momento, o que já inviabilizaria o porte dos servidores penitenciários”.
Sustenta que o porte de arma pelos servidores é restrito ao local de serviço.
O Estado do Rio de Janeiro se manifestou às fls. 74/86, argüindo
a preliminar de ilegitimidade da autoridade coatora, porquanto o ato impugnado
emanou de autoridade delegada. Sustentou que não cabe mandado de
segurança contra “lei em tese”, negando que a ordem de serviço tenha efeitos
concretos. Aduz que o ato normativo é perfeitamente compatível com a

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legislação que rege a matéria, devendo os agentes penitenciários comprovar o
atendimento aos requisitos subjetivos para obterem o porte de arma fora do
horário e do local de serviço. Entende que o Poder Judiciário não pode
imiscuir-se no mérito do ato administrativo. Pede a reconsideração da decisão
que deferiu a liminar e a denegação da segurança.
É o sucinto relatório.
De início, deve ser rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva
atribuída à autoridade coatora, porquanto, sendo o subsecretário agente
público subordinado ao secretário de estado e tendo agido apenas por
expressa delegação de funções, a autoridade maior pode figurar em mandado
de segurança em que se pleiteia a desconstituição de ato administrativo tido
por ilegal e praticado por autoridade subordinada.
Os agentes públicos agem dentro de uma intrincada rede
constituída de relações hierarquizadas, em que a autoridade menor se
encontra submetida e subordinada à autoridade de hierarquia superior até se
alcançar o cume da pirâmide, ocupada pelos agentes políticos.
Se o ato impugnado foi atribuído à autoridade que ocupa posição
inferior na cadeia de comando e o mandado foi impetrado em face de
autoridade superior àquela originalmente interessada (por ser a autora direta
do ato), não existe óbice ao conhecimento e reconhecimento da legitimidade da
autoridade superior.
E isto pelo fato de que esta tem o poder de rever os atos da
autoridade inferior, porquanto, ao delegar, reservou para si, como é ínsito no
ato de delegação, o poder de rever a atuação da autoridade delegatária.
Da mesma forma, deve ser afastada a alegação de que o
mandado de segurança é dirigido contra “lei em tese”, porquanto a ordem de
serviço, por sua própria natureza, é ato normativo de efeitos concretos,
essencialmente práticos, voltados para a própria atuação do servidor.
No caso específico, a ordem de serviço elencou, expressamente
em seu anexo, os servidores que foram atingidos por seus efeitos, em relação
nominal e individualizando a conduta esperada de cada um deles, ou seja, a
devolução do armamento (documento de fls. 53).
Quanto ao mérito do mandado, assiste razão ao Impetrante,
conforme já reconhecido no Parecer Ministerial de fls. 88/91.
A leitura atenta da Lei 10.826, de 22.12.2003, conhecido como
Estatuto do Desarmamento, define em seu artigo 6º as pessoas que tem direito
ao porte de arma, dentre as quais, se encontram “os integrantes do quadro

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efetivo dos agentes e guardas prisionais, os integrantes das escoltas de presos
e as guardas portuárias” (inc. VII).
O porte de arma reconhecido a tais servidores públicos integra o
próprio cargo que ocupam eis que implica em maior risco à sua segurança
pessoal.
É direito que decorre do próprio cargo, pois não se pode conceber
um agente ou guarda prisional sem o porte da devida arma de defesa pessoal.
A suposta restrição referenciada no § 2º do mesmo art. 6º da Lei
10.826, não encontra eco na leitura de seu conjunto, porquanto, a
comprovação dos requisitos estabelecidos no inciso III do art. 4º (capacidade
técnica de manuseio e aptidão psicológica), deve ser averiguada caso a caso e
não como regra geral.
A ordem de serviço, de forma genérica e sem qualquer
consideração à condição específica de cada servidor, determinou a simplória
devolução das armas acauteladas.
Além disso, a Autoridade Coatora informa que não realizou
qualquer averiguação sobre a capacidade dos servidores por falta de recursos.
Apenas os servidores que se mostrassem inadequados, técnica
ou psicologicamente, em relação ao porte de arma fora do local e do
expediente de serviço, deveriam ser convocados à devolução das armas que
mantém acauteladas.
Soa à completa falta de gestão administrativa, considerar que o
servidor possa ser tido como apto, técnica e psicologicamente, a portar arma
no serviço e deixar de sê-lo quando se encontrar no trajeto para a sua
residência e em suas horas de folga e lazer.
A ordem de serviço, ao deixar de fazer qualquer distinção
subjetiva entre os servidores, incorreu em grave ilegalidade, porquanto igualou
situações díspares e deixou de considerar como hígidos e aptos, os mesmos
servidores que já portavam armas em situação consolidada no tempo e em seu
evolver funcional.

Como bem observado pela Procuradora de Justiça DIRCE
RIBEIRO ABREU “dessa feita, caso se entenda por aplicável o § 2º do artigo
6º à espécie, quer nos parecer que a prática do ato ora atacado deveria ser
precedida da verificação da capacidade técnica e da aptidão psicológica de
cada agente para o manuseio de arma de fogo fora do serviço” (parecer, fls.
90/91).

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O que a Administração Pública fez, mais uma vez, foi... “colocar a
carroça na frente dos bois”... e, em conseqüência, expor a vida dos servidores
a maior risco do que o que já sofrem no ambiente de trabalho.
Saliente-se que não há nos autos qualquer informação sobre este
ou aquele servidor que tenha apresentado conduta irregular e que pudesse dar
causa a imposição de restrição ao porte de arma.
A presunção a ser reconhecida é que o servidor admitido ao
serviço de guarda prisional atendeu às exigências específicas para o manuseio
de arma de fogo e apresenta condições psicológicas hígidas para tanto.
O porte de arma integra os direitos do próprio cargo que o
servidor ocupa e não pode sofrer qualquer restrição, porquanto o cargo, por si,
é causa de exposição a maiores riscos.
A ordem de serviço não pode, portanto, alcançar os servidores
ativos, sob pena de expor suas vidas a riscos maiores e desnecessários, como
o noticiário policial dos jornais vem publicando dia após dia.
No entanto, a ordem de serviço alcança boa finalidade ao
determinar que os servidores inativos, demitidos e familiares dos servidores
falecidos sejam notificados a devolverem as armas ainda mantidas sob cautela
(art. 3º).
Findo o vínculo de serviço ativo e, em conseqüência, não mais
expostos a situações de risco direto, o serviço inativo deve proceder à
devolução do armamento que ainda mantenha em seu poder.
O mesmo raciocínio alcança os servidores demitidos (e com mais
razão ainda), porquanto em relação a estes o vínculo do serviço público foi
ocisado e se o ex-servidor, agora simples particular, deixou de proceder à
devolução da arma, incidiu em grave crime, além da desídia funcional do
servidor que procedeu à baixa do registro funcional do mesmo.
Os servidores falecidos que mantinham consigo arma acautelada,
agora em poder de seus familiares, também devem ser instados, através da
pessoa adequada, a devolvê-la, eis que não existe qualquer vínculo com o
serviço e o cargo perigoso.

Desta forma, o ato normativo impugnado dever ser considerado
inaplicável aos agentes penitenciários que se encontram em plena atividade
(ainda que em gozo de férias, licença-prêmio, licença para tratamento de
saúde, casamento, nojo, nascimento de prole e afins), posto que, ocupando
cargo por natureza perigoso, suas vidas se apresentam em exposição de risco
maior do que os demais servidores.

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Do exposto, o voto é no sentido de rejeitar a preliminar e, no
mérito, conceder parcialmente a segurança, para o fim de suspender a
aplicação da Ordem de Serviço 17, de 18.09.2008, aos servidores ativos
da Secretaria de Justiça, mantendo-a eficaz em relação aos servidores
inativos, demitidos e falecidos.
Rio de Janeiro, 13 de janeiro de 2009.
Rogerio de Oliveira Souza
Desembargador Relator
Certificado por DES. ROGERIO DE OLIVEIRA SOUZA

A cópia impressa deste documento poderá ser conferida com o original eletrônico no endereço www.tjrj.jus.br.

Data: 15/01/2009 16:59:33Local: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro - Processo: 2008.004.01402 - Tot. Pag.: 6

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